REPORTAGENS AMBIENTAIS

ESTRAGO DA NAÇÃO

segunda-feira, março 22, 2004

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INTERIOR COM MÁ QUALIDADE - Diário de Notícias, 22 de Março de 2004

Madeira e Açores, Bragança, Guarda e Vila Real são as regiões com pior qualidade de água potável, de acordo com a análise detalhada do relatório da qualidade da água, que continua indisponível por alegadas dificuldades técnicas do site do Ministério do Ambiente.

Embora o relatório oficial de síntese dos resultados da qualidade da água de 2002 tente menorizar os problemas, na verdade, e numa análise mais aprofundada, destaca-se que quase 430 mil portugueses foram abastecidos, naquele ano, com água bacteriologicamente contaminada e cerca de 90 mil beberam água com excesso de nitratos. Existem também casos, mesmo em concelhos importantes, de excesso de metais pesados e pesticidas (ver infografia).

Jorge Morgado, da Deco, lamenta que «na última década não se vislumbrem melhorias, sobretudo nos concelhos rurais», criticando «a degradação das origens de água e a desresponsabilização das entidades gestoras». Os índices de contaminação em 2002 são semelhantes aos de 1993, ano em que se iniciaram os relatórios.

Em 2002, no que diz respeito aos coliformes totais - que permitem aferir se a água está contaminada com esgotos, mesmo humanos - 15 municípios apresentaram mais de 50% das análises com contaminações. A situação foi particularmente dramática nos pequenos concelhos insulares e do interior. No distrito de Bragança, quase uma em cada três análises confirmaram contaminações, enquanto que em Vila Real e Guarda rondaram os 25%. Nos Açores e Madeira, o panorama também é aflitivo. O município açoriano de Vila Franca do Campo bebeu sempre água contaminada e na Madeira, se se excluir o Funchal, a contaminação bacteriológica atingiu 32,4%.

No caso dos nitratos na água - que provoca uma doença fatal em crianças - a situação é particularmente grave em concelhos alentejanos.

Francisco Ferreira, da Quercus, defende «urgentes medidas punitivas que obriguem as entidades gestoras a reforçar a monitorização, a fornecer água com qualidade e a avisarem as populações em caso de problemas, o que raramente ocorre». A lei prevê penalizações, em casos de incumprimento, que podem atingir cerca de 45 mil euros, mas nunca foram aplicadas. O Ministério do Ambiente não comenta.


UE LIMITA UTILIZAÇÃO DE CLORO - Diário de Notícias, 22 de Março de 2004

O uso excessivo de cloro para eliminar as contaminações microbiológicas vai ter de passar a ser controlado, de modo a reduzir a presença de compostos organoclorados, que têm comprovados efeitos cancerígenos e provocam malformações congénitas em fetos. A UE, tal como já acontece nos Estados Unidos e Canadá, decidiu não permitir que, a partir deste ano, esses compostos excedam um limite de 100 microgramas por litro, havendo um período transitório até 2008 em que esse limite pode ir até aos 150 microgramas.

Se até agora os grandes sistemas de tratamento conseguiam controlar as contaminações através do recurso a doses elevadas de cloro - que dão o conhecido odor e sabor a lixívia na água das torneiras -, terão agora de encontrar alternativas para garantir a potabilidade microbiológica da água.

De acordo com os dados do relatório de 2002 da qualidade da água, 27 sistemas de distribuição, abastecendo quase 530 mil habitantes, ultrapassavam o limite dos 100 microgramas, englobando concelhos como Vila Franca de Xira, Braga, Leiria, Bragança, Feira e Guimarães. Neste último município, gerido pela empresa intermunicipal Vimágua, a água ultrapassava em quase três vezes o limite imposto para este ano.

Esta situação poderá implicar a necessidade, em muitos casos, de fortes investimentos em reabilitações de canalizações municipais, uma vez que até agora as entidades gestoras utilizavam o cloro em detrimento de reparações de fundo.

Um caso paradigmático ocorre com a água de Castelo de Bode fornecida pela Epal à Área Metropolitana de Lisboa, Se na capital, a água apresenta valores mínimos de compostos organoclorados (em 2002, o máximo foi de apenas 5,5 microgramas), nos concelhos limítrofes, como o de Vila Franca de Xira, as concentrações ultrapassaram os 100 microgramas. O mesmo sucedeu em Sintra (99), Oeiras e Loures (ambos com 86 microgramas).


VIOLAÇÕES AO VALOR MÁXIMO ADMISSÍVEL (% em relação ao total de análises efectuadas)

Coliformes totais

Vila Franca do Campo (Açores) – 100%
São Vicente (Madeira) – 88,1%
Calheta (Madeira) – 78,9%
Porto Moniz (Madeira) – 73,8%
Miranda do Corvo – 62,6%
Almeida – 61,3%
Nordeste (Açores) – 61,2%
Povoação (Açores) – 59,5%
Régua – 57,5%
Alfândega da Fé – 55,4%
Boticas – 55,1%
Macedo de Cavaleiros – 54,8%
Ponta do Sol (Madeira) – 54,8%
Valpaços – 53,6%
Santana (Madeira) – 50%


Nitratos

Beja – 45,8%
Fronteira – 42,9%
Vila do Bispo – 33,3%
Reguengos de Monsaraz – 32,3%
Lourinhã – 27,3%
Campo Maior – 25,0%
Portel – 25,0%
Ferreira do Alentejo – 23,5%
Monforte – 20,0%
Moura – 18,2%
Mértola – 18,1%
Alter do Chão – 10,0%
Penalva do Castelo – 9,1%
Évora – 8,9%
Alcácer do Sal – 8,8%


Metais pesados e outras substâncias perigosas*
Concelhos onde se detectou pelo menos uma análise em excesso


Arsénico

Amarante
Fafe
Fundão
Vila Pouca de Aguiar
Vila Flor


Cádmio

Madalena
Odemira
Vouzela


Cianetos

Alfândega da Fé


Crómio

Albufeira


Níquel

Figueiró dos Vinhos
Penela
Setúbal
Vila Velha de Ródão


Mercúrio

Beja
Castro Verde
Montijo
Oliveira de Azeméis


Pesticidas

Castro Marim
Sesimbra
Elvas
Entroncamento
Ílhavo
Mortágua
Sintra
Tábua

domingo, março 14, 2004



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À BEIRA DA TRAGÉDIA - Grande Reportagem, 28 de Fevereiro de 2004

Fevereiro de 1969 foi um mês animado em Portugal. Lisboa foi visitada, com honras de Estado, pelo astronauta Frank Borman – comandante da Apolo VIII, meses antes da chegada à Lua –; o país assistia à polémica da troca de artistas, feita à última hora, para cantar «A Desfolhada» no Festival da Canção; o Benfica perdeu uma épica meia-final da Taça dos Campões Europeus contra o Ajax – apenas desempatada, à terceira partida, em Paris, sob neve intensa –, comemorou-se o centenário do nascimento de Gago Coutinho e o povo começou a habituar-se às Conversas em Família de Marcelo Caetano, iniciadas no mês anterior.

Esse Fevereiro foi também de desgraças: um grande incêndio destruiu o edifício e parte do espólio do Instituto Hidrográfico, grandes cheias provocaram estragos sobretudo no Ribatejo e Minho, o presidente da câmara do Porto morreu num acidente de viação e, no final desse mês, um intenso terramoto sacudiu o país de lés-a-lés, provocando mais pânico do que estragos.

Mas houve também uma outra calamidade que atingiu o país, embora longe da Metrópole. Durante uma semana, entre 11 e 17 de Fevereiro daquele ano, Ponta Delgada esteve com o credo na boca, na iminência de sofrer uma catástrofe humana. Livrou-se disso, mas não escapou de sofrer a maior catástrofe ambiental até então ocorrida em Portugal.
Como todos os acidentes, este foi fruto de uma sucessão de factos e acasos. Se há quem diga que o suave bater das asas de uma borboleta da Amazónia pode provocar uma tempestade no Pacífico, na génese desta calamidade esteve um murro e mais uns quantos sopapos dados, em alto mar, pelo capitão do petroleiro alemão Julius Schindler, Wilhelm Numssen, num seu subordinado. Não que o jovem oleador, Gustav Sablotny, tenha sofrido mais do que um olho negro, mas o desacato fez com que o petroleiro – que iniciara a viagem duas semanas antes do porto de Aruba, nas Antilhas Holandesas, rumo a Fawley, na Inglaterra – se desviasse da rota para deixar o ferido na ilha de São Miguel.

Na madrugada de 11 de Fevereiro – um dia depois da data inicialmente prevista para o desembarque do ferido –, uma lancha da Casa Bensaúde, representante do armador em Portugal, meteu-se às águas em direcção ao petroleiro. A bordo dessa lancha iam – como mandavam as regras de então – um agente da Polícia Marítima, o delegado de saúde, um funcionário da Casa Bensaúde e um agente da Pide. A operação era simples e constava dos manuais: o navio deveria atracar ao largo, com o auxílio de um piloto da capitania, junto ao ancoradouro do porto exterior, aguardar que as autoridades portuguesas resolvessem as formalidades, descarregassem o desafortunado oleador e, a seguir, todos deveriam ir à sua vida. Isto não deveria demorar mais de duas horas, de acordo com o documento de Aviso de Chegada da Capitania do Porto. Tão simples quanto isto.

Mas não foi o que aconteceu. Por razões nunca conhecidas, o capitão do Julius Schindler nem deu tempo a que o piloto açoreano se abeirasse do petroleiro. O resultado seria fatal. «Verifiquei que o referenciado navio [Julius Schindler] continuava a navegar e se aproximava muito de terra, com risco de encalhar na baixa da Pranchinha, o que de facto veio a acontecer seguidamente», escreveria João Leandro, o agente da Polícia Marítima que se encontrava na lancha da Casa Bensaúde. O acidente estava consumado. Eram três horas e quarenta minutos de uma aziaga terça-feira quando o navio soltou três apitos, por duas vezes, e acendeu os faróis de socorro.

Com uma dezena de tanques armazenando quase 16 mil toneladas de ‘light cat naphta” – um combustível para aviões, bastante volátil e tóxico –, os estragos do primeiro embate do Julius Schindler, um petroleiro com 175 metros de comprimento, deram logo a entender que o caso era grave. No entanto, apenas na manhã seguinte, com uma primeira inspecção subaquática, se faria uma avaliação mais profunda. A tarefa não foi fácil, como testemunharia o mergulhador Jorge Prista da Silva. «Esta inspecção foi realizada em condições muito difíceis, devido ao facto de o mar se encontrar muito agitado (...), obrigando-me a aproximar muito do objectivo, o que era contrariado pelos fluxos e refluxos da água comprimida debaixo do navio, que provocava sucções que me obrigaram a tomar sérias precauções de modo a evitar um acidente que poderia ser fatal». Não obstante, o mergulhador apuraria que o petroleiro estava encalhado desde o tanque 3 ao tanque 9, apresentando uma fractura no sentido bombordo-estibordo de cerca de cinco metros com uma fenda máxima de 20 centímetros.

Aquela noite tinha, entretanto, sido já muito, muito longa. Dado o sinal de alarme, cerca de uma hora depois, o capitão do porto de Ponta Delgada, Abel de Azevedo Mafra, subiria ao Julius Schindler. A situação não podia ser pior no interior do petroleiro. O comandante alemão encontrava-se «muito deprimido e quase em estado de choque emocional». «Qualquer comandante fica afectado numa situação de acidente, mas ali havia um estranho ambiente que também deveria estar ligado aos acontecimentos com o ferido», recorda Manuel Pimentel da Silva, então terceiro oficial do Ministério da Marinha que então acompanhara o capitão do porto. Num auto de declaração feito após o acidente, este antigo escrivão ditaria que «o comandante do Julius Schindler se achava psicologicamente muito deprimido, sendo até incapaz de manter uma conversação radiotelefónica (...) e que devido àquele estado emocional, se vira forçado por vezes a pedir a intervenção do respectivo imediato para obter informações», uma vez que as perguntas por si formuladas «não encontravam eco na depressiva apatia do comandante».

Entretanto, malgrado o estado do comandante alemão, ficara decidido requerer os serviços de um rebocador grego, o Nisos Zakynthos, que estava ao serviço do porto de Ponta Delgada. Mas como estava ao largo alguém sugeriu a utilização do pequeno rebocador Corpo Santo, da Junta Autónoma dos Portos, numa tentativa de desencalhar, desde logo, o petroleiro. Mas o rebocador português apenas tinha 1100 cavalos e, embora tivesse trabalhado na sua máxima potência, de nada valeu puxar com um cabo pela alheta de estibordo do Julius Schindler durante mais de uma hora. Esse fracasso viria mesmo a resultar, mais tarde, numa complexa discussão entre o armador alemão, a empresa Ernst Russ, e a Capitania de Ponta Delgada. Em causa estava uma despesa de 75 mil escudos que o comandante do petroleiro alegou, mais tarde, não ser justa por a requisição do rebocador ter sido feita na base do «no cure no pay». Esta norma, ainda em vigor, estabelece que um rebocador apenas será pago se conseguir efectuar, com sucesso, um salvamento.

Entretanto, por volta das seis horas daquela madrugada, chegaria finalmente o salvadego Nisos Zakynthos – e desta vez assinado, sem margem para dúvidas, o contrato «no cure no pay» – que não teve melhor sorte. Duas horas mais tarde, o Comando Nacional dos Açores enviaria um telegrama para o Estado-Maior da Armada informando ser «muito problemático» o salvamento do petroleiro e que a única alternativa seria bombear a carga para o mar de modo a tentar aumentar a flutuação do navio e a sua remoção do local.

Contudo, as autoridades marítimas não queriam correr, desde logo, qualquer risco. «Não houve propriamente uma maré negra; esta nafta tem uma cor clara, mas os vapores eram de cheiro intenso e havia o risco de explosão a qualquer momento», relembra Manuel Pimentel da Silva. A corrente eléctrica do petroleiro foi mesmo cortada e ninguém poderia sequer fazer uma faísca que fosse. «As lanchas nem puderam ser usadas a partir de determinada altura, porque a concentração de gases era tão grande que o motor ficava ‘maluco’”, diz Renato Cabral, que era então funcionário da Casa Bensaúde.

Na tarde desse dia, após o armador do Julius Schindler assumir as responsabilidades pelos efeitos ambientais, começou a ser bombeada a nafta para o mar, mas sob supervisão da capitania que foi suspendendo várias vezes essa operação sempre que os ventos mudavam de quadrante ou as concentrações de gases atingiam concentrações elevadas. «A ideia era levantar a proa do petroleiro; tínhamos esperanças de desencalhá-lo logo que chegasse o segundo rebocador», diz Manuel Pimentel da Silva. E esse salvadego, o holandês Rhode Zee, acercar-se-ia na tarde desse dia do acidente, oriundo do Faial. No entanto, só nessa noite, na preia-mar, se fez uma tentativa conjugada de desencalhe, com a força de quase 15 mil cavalos de potência conjunta dos dois rebocadores. Debalde esse esforço. Todo o dia seguinte acabou também por ser gasto em novas tentativas e na bombagem da carga, que terá libertado cerca de um terço da nafta do Julius Schindler.

O desespero começava então a tomar conta da situação. Na manhã do dia 13, dois dias após o acidente, o mergulhador Jorge Prista da Silva reportaria que, além dos estragos iniciais, existia «uma nova fractura, por debaixo do tanque 3, e a bombordo do navio, com jeito de furo provocado por bico de pedra». Em terra, à curiosidade de um petroleiro encalhado – que não era coisa inédita, pois dois anos antes encalhara na mesma zona um cargueiro – juntara-se agora o medo junto da população. Os jornais açoreanos, embora sempre num tom de esperança, mostravam já alguma apreensão com o correr dos dias. No Continente, entretanto, os ecos faziam-se sentir, de uma forma menos contidas, é certo, mas sempre em pequenos artigos, como no Diário de Notícias, Capital, República, entre outros. Neste último jornal referia-se mesmo, no dia 13, que «já se deram numerosos casos de intoxicação, nomeadamente crianças, e as autoridades, que patrulham a costa, aconselham as pessoas a não fazerem lume, devido ao perigo de explosões».

No mesmo dia, o correspondente nos Açores do Diário de Notícias, Silva Júnior, referia mesmo o internamento de duas crianças intoxicadas e alertava: «A situação é, na verdade, alarmante. Os rebocadores não conseguem safar o petroleiro. O vento, por outro lado, dificulta extraordinariamente a operação de descarga. E se o vento continuar a rondar para sul, a poluição da atmosfera será mais intensa e maiores os riscos».

Certo é que nesse dia 13 – talvez receando um azar – metade da tripulação de 32 homens – quase todos alemães, havendo apenas dois austríacos e um holandês – foi desembarcada do Juluius Schindler. Entretanto, nessa tarde chegariam vários técnicos estrangeiros ligados ao armador, à companhia de seguros e à empresa do rebocador holandês. Até ao fim do dia seguinte, entre reuniões para encontrar uma solução – pensou-se mesmo em trasfegar o combustível para um outro petroleiro, em vez de continuar a bombeá-lo para o mar – e novas tentativas dos dois rebocadores, pouco se conseguiu. Pouco depois da meia-noite do dia 15, chegou mesmo a temer-se o pior: a força dos rebocadores quase rasgaram toda a popa e horas depois toda a tripulação e pessoal de serviço do Julis Schindler seriam transferidos para o rebocador por razões se segurança.

Nessa manhã de sábado, o Correio dos Açores lançava o desafio: «Vamos ver se, hoje de manhã, quando o leitor for espreitar o navio à Avenida do Infante, ainda lá verá o Julius Schindler, imóvel, ameaçando transformar-se em farol... ou se o encontrará atracado ao Molhe Salazar, para já safo das complicações em que se meteu».
Na verdade, durante esse dia abalançou-se uma nova solução: enquanto o salvadego holandês injectava ar comprimido nos tanques, o rebocador grego puxava pela popa do petroleiro. Foi providencial, mas apenas na preia-mar da noite. Pelas 22 horas e dois minutos, o Julius Schindler libertar-se-ia das amarras dos rochedos da Pranchinha. «Foi um alívio para todos», recorda Renato Cabral. «Aqueles que estiveram nesta operação, como eu, correram perigo de vida, mas tínhamos que safar aquilo. A coragem é filha do medo», diz Manuel Pimentel da Silva.

Arrastado para longe, a meia milha a sul do Rosto do Cão, o petroleiro começou, contudo, a adornar para bombordo. «Estava a meter água e receámos que se afundasse, mas nesse caso estaria longe da entrada do porto», conta Renato Cabral. O caso não era para menos. O mergulhador Jorge Prista da Silva apuraria depois do desencalhe que, com tantos transtornos, além dos estragos por si vistos na segunda inspecção, o petroleiro alemão ficara com mais quatro fracturas. As bombas começaram a retirar água do interior dos tanques e no dia seguinte o petroleiro entraria – desta vez sem encalhar – no porto para reparações. Na terça-feira, dia 18, uma semana depois do encalhe, o Julius Schindler levou guia de marcha, acompanhado pelo rebocador holandês Rode Zee, para que lhe fossem ministrados restauros mais profundos numa doca seca. Nunca se apurou, com exactidão, a quantidade de nafta descarregada e libertada para a atmosfera, mas terá sido superior a metade da sua carga de 16 mil toneladas, nem tampouco os verdadeiros prejuízos ambientais e de saúde pública deste acidente.

Mas a história do Julius Schindler não terminaria aqui, nem os sobressaltos. Na manhã do dia 22 de Fevereiro de 1969, o jornal República informava que «à hora de encerrarmos esta edição, pessoal do Batalhão de Bombeiros e das Companhias Reunidas de Gás e Electricidade empenhavam-se activamente na tarefa de detectar a rotura de onde se escapa o gás, cujo forte odor se faz sentir na vasta zona ribeirinha compreendida entre o Cais do Sodré e Alcântara». O Diário de Lisboa noticiaria que várias centenas de chamadas entupiram os serviços dos bombeiros, pensando-se também que «o cheiro intenso vinha dos fumos da Sacor, uma empresa de adubos da outra margem. Afinal, não era nem uma coisa, nem outra. Eram os gases libertados pelo Julius Schindler, que entretanto tivera como destino a doca seca da Lisnave para as tais reparações. Muitos dos lisboetas só então souberam o que acontecera em Ponta Delgada.

sábado, março 06, 2004



Nota: Interdita a reprodução sem autorização do autor. Os textos não estão editados. Poderão existir diferenças entre estes textos e aqueles que foram publicados na revista. Fotos de Manuel Gomes da Costa (direitos reservados)


MADEIRA - A ILHA DO TESOURO - Grande Reportagem, Março de 2003

Conta a lenda que por volta do ano 1420, depois da descoberta oficial da ilha de Porto Santo, o capitão Gonçalves Zarco decidiu rumar em direcção a uma grande nuvem negra. Os marinheiros estavam aterrados. Sob aquele manto de escuridão borbulhante dizia-se estar a boca do Inferno ou um abismo para onde cairiam os barcos borda fora do Mundo. A coragem do navegador português obrigou-os a aproximar-se do intenso nevoeiro, mas os seus rugidos tenebrosos fê-los fugir para sul. Aí chegados, já com a vista livre das trevas, ao Inferno deparou-se-lhes o Paraíso. Aos seus olhos, montanhas imponentes tombavam a pique sobre o mar, vales escarpados e verdejantes recebiam cascatas e riachos de água cristalina, animais nunca vistos pousavam-lhes nos ombros aguçados pela curiosidade. E a vegetação, sempre presente em qualquer canto, luxuriante, exuberante, viçosa, imponente e majestosa. Desde o mais alto pico até às praias pedregosas.

Da lenda à realidade haverá uma pequena distância. A ilha da Madeira até já pode estar longe de ser um paraíso terreno – não fosse a região de Portugal com maior densidade populacional –, mas aí existem ainda os últimos redutos virgens da floresta dos descobridores portugueses. Ou mesmo da floresta dos tempos em que o Homem ainda nem sequer existia como espécie primitiva. É certo que a colonização humana rapidamente deu cabo de grande parte do arvoredo – mais uma vez, a lenda fala de sete anos de incêndios sem findar provocados pela arroteia de terrenos para a agricultura. Contudo, em pleno século XXI, a Madeira possui ainda a mais extensa floresta natural da região da Macaronésia, uma expressão etimológica grega que significa Ilhas Afortunadas e que agrega também os arquipélagos dos Açores, Canárias e Cabo Verde. Mas, mesmo dentro desta região, a Madeira sempre foi um caso especial. A sua beleza e biodiversidade sempre encantaram tudo e todos. Mesmo aqueles que conheciam a fundo todas as maravilhas da Natureza. Não será por acaso que o pai do evolucionismo, Charles Darwin – cujo nome se associa, desde logo, às ilhas Galápagos – acabou por citar a Madeira no seu livro “A Origem das Espécies” por 20 vezes. E a palavra Galápagos fica-se apenas nas 17 citações...

A viagem do aeroporto para o Funchal é percorrida numa via rápida com poucos pontos de interesse: campos agrícolas, alguns com bananeiras, umas pontas de mar e um casario que se vai massificando à medida que a cidade se aproxima. Depois receia-se uma desilusão. Quem só conhece a riqueza da ilha por aquilo que lhe disseram, pensa que lhe venderam gato por lebre. Em cada pedaço de terra visível a partir do Funchal está a marca humana. O inverso daquilo que os descobridores de quinhentos encontraram: desde o mar – literalmente, pois os hotéis abundam mesmo defronte às águas – até ao pico mais alto dispersam-se casas e alguns prédios em mancha de óleo ameaçando chegar ao topo da montanha. Quer-se logo fugir dali. Ir visitar aquilo que maravilhou Gonçalves Zarco e os seus marinheiros, Darwin e mesmo a Unesco que classificou, em 1999, a floresta natural da ilha como Património Mundial.

Apesar dos seus reduzidos 737 quilómetros quadrados – menos de nove vezes a cidade de Lisboa –, qualquer sítio parece longínquo nesta ilha. Sempre a subir, o jipe percorre uma estrada que serpenteia por onde pode – dois terços da ilha tem declives superiores a 25% –, passando uma mancha urbana disforme e mais à frente pinhais e eucaliptais. Exóticas, portanto. A central de incineração de lixos, recentemente inaugurada, que lança um suspeito fumo negro, acentua-nos as dúvidas sobre a existência do tal Paraíso.

Mas eis que surge, ao longe, no meio de um nevoeiro e da chuva miudinha. Ali ao virar de uma esquina. Está-se no sopé da Fajã da Nogueira, a poucos quilómetros da central hidroeléctrica e a chuva intensifica-se. Normal. Está-se ainda no Inverno e numa zona onde, por ano, pode chover 170 dias e a precipitação chegar aos 3000 milímetros, cerca do triplo da cidade de Lisboa. Pouco interessa, a ânsia já é mais forte do que o conforto abrigado do jipe. Entra-se por um ribeiro, torneando uma pequena levada de abastecimento público de água e sobe-se saltitando por entre as pedras. Umas pequenas cascatas, umas rochas escorregadias, umas escarpas que se percorrem com prudência e eis-nos num anfiteatro natural. Não aberto. Pelo contrário, bem fechado: de um lado e do outro, escarpas imponentes, cobertas de vegetação dão alas a uma cascata inacessível de águas cristalinas. Perante este cenário, a chuva desaparece na memória – e o aspecto desolador do percurso evapora-se –, mesmo se o casaco continua a absorver a água dos Céus. Quer-se ver todos os pormenores: o pequeno lago profundo criado pelas quedas de água, as tonalidades avermelhadas de algumas rochas e aquela árvore que abraça um pedregulho colossal numa perfeita simbiose para que ambos não caíam. Mas aquilo é apenas o cartão de visita. Lá mais para cima, dizem-nos, por detrás das nuvens, está o Éden. Chamam-lhe floresta laurissilva.

O nome lembra uma mulher, a sua beleza também. E bem poderia ser: esta floresta é envolvente, misteriosa, acolhedora, enigmática, que não se descobre e prefere ser descoberta. A origem vem, contudo, da dominância das árvores da família do loureiro – cujas coroas de folhas estão, curiosamente, na génese do nome feminino Laura – que se desenvolviam por toda a ilha entre os 400 e os 1350 metros. Olhar ao longe esta floresta dos nevoeiros cria, contudo, um erro de óptica. A elevada inclinação das vertentes dá a sensação de um denso manto vegetal, mas de baixa estatura. É preciso embrenharmo-nos por esta floresta – preferencialmente pelos caminhos de uma levada – para notar a dimensão das árvores, sobretudo do til, mas também do barbusano, vinhático e mesmo do loureiro. Mas não estão sozinhas, pelo contrário. Há um mundo de outras pequenas árvores e arbustos de grandes dimensões, desde a faia até ao folhado, passando pelo perado, mocano, azevinho-madeirense, teixo, pau-branco, figueira-do-inferno, uveira-da-serra, sabugueiro, incenseiro, cedro-da-Madeira e muitas outras. Grande parte destas espécies são quase eternas, perpetuando-se por toiça, ou seja, a árvore verde não é mais que o prolongamento vivo do tronco e ramos secos que estão a seu lado. Depois, há todas as plantas herbáceas que durante a Primavera dão um colorido especial à floresta. E ainda os fetos, musgos e líquenes, alguns com formatos indescritíveis. “É uma floresta de fadas”, diz Susana Fontinha, directora do Parque Natural da Madeira. E assim parece.

Na zona da Encumeada, entra-se no Folhadal para um mundo mágico e quase místico. As veredas transportam-nos por autênticas varandas onde as nuvens e nevoeiros se envolvem com o arvoredo e as falésias. A presença de água é imutável, mesmo quando não chove. Além das levadas, as ribeiras saltitam por todo o lado e de quando em vez uma cascata de dezenas de metros surge do alto de uma falésia. O som musical da água a cair das alturas – como se viesse das próprias nuvens – é de um encantamento hipnotizante. Os estreitos túneis – escavados pelos madeirenses para que as levadas transpusessem os penedos – são percorridos em passo prudente mas ansioso porque no final aparece sempre uma nova paisagem, uma nova e imponente cascata, uma nova surpresa. Acompanhados por Susana Fontinha e dois técnicos do Parque Natural, pede-se – porque é proibido sem autorização – para ir ver ao perto uma imponente cascata no interior da floresta. É mais uma cascata, mas nunca é demais ver mais uma. São trezentos metros de puro êxtase. É impossível seguir em linha recta, porque o ribeiro contorce-se entre as rochas e as árvores – com os troncos cheios de outras plantas, musgos, líquenes e fungos – quase formando uma parede intransponível. Alguns ramos aparentemente viçosos partem-se ao menor toque. Apenas as pedras no leito do riacho se vêem; as outras estão completamente atapetadas de um manto espesso de musgos e líquenes. A falésia desta cascata é mais um ponto de assombro. Não é por estar alcatifado de vegetação, mas sim por ter várias árvores de mais de uma dezena de metros que cresceram com o fuste perfeitamente paralelo ao solo. Como se, para elas, o chão fosse a parede do penhasco.

A riqueza biológica da Madeira é simultaneamente fruto do acaso e uma bênção da Natureza. De origem vulcânica, a sua idade não ultrapassará os três milhões de anos – embora ainda haja uma discussão sobre esta matéria – e as últimas erupções terão ocorrido há cerca de 25 mil anos. A quase mil quilómetros das costas ibéricas e a cerca de 700 quilómetros da costa africana, só lentamente foram chegando sementes e animais, transportados pelos ventos e correntes marítimas. E o seu isolamento “livrou-a” da última glaciação na época do Terciário – que fez desaparecer a floresta dos loureiros na Europa – e a flora e a fauna evoluíram à sua maneira.

Mas este não foi o único factor que transformou a ilha da Madeira num local único. Face à sua morfologia acidentada, à cordilheira de picos elevados e à proximidade do mar, os habitats da Madeira são extremamente diversificados. Em situação natural existiam, pelo menos, quatro estratos de vegetação e, em cada um deles, subtipos em função dos microclimas. Por exemplo, no caso da floresta laurissilva – que apenas ocupa a faixa entre os 400 e os 1350 metros de altitude – existem, segundo os mais recentes estudos botânicos, cinco diferentes tipos de formações vegetais. Na faixa litoral, mais seca e quente sobretudo na parte sul, abundavam as espécies herbáceas das falésias marítimas – muitas das quais endémicas – e um pouco mais no interior dominavam a figueira-do-inferno – uma eufórbia arbórea que, em outras regiões, apenas atinge um porte herbáceo –, a malfurada, o zambujeiro – uma oliveira selvagem endémica da Madeira – e o dragoeiro. Contudo, por ser esta a região mais humanizada da ilha, grande parte desta vegetação natural foi destruída, pelo que apenas nas falésias e zonas declivosas inacessíveis é possível encontrar alguns vestígios.

Acima dos 1350 metros, a vegetação é completamente diferente da floresta laurissilva, sobretudo devido às baixas temperaturas. Aí abundavam três espécies de urzes – a mais imponente das quais a molar, cuja ocorrência de exemplares centenários no Pico Ruivo nos faz recuar a tempos longínquos –, loureiros de pequeno porte, a uveira-da-serra e outras plantas herbáceas, musgos e líquenes. A sorveira, um arbusto endémico de grande porte, também era frequente, mas o seu corte indiscriminado quase a levou à extinção, ocorrendo agora apenas junto ao Pico do Areeiro. Na zona do Paul da Serra – um extenso planalto acima dos 1400 metros de altitude –, a acumulação de água e a acção do gelo criaram habitats de prados temporários húmidos de vegetação rasteira que a intensa pastorícia, ao longo dos tempos, acabou por degradar quase até à exaustão.

Um passeio pelo Montado dos Pessegueiros mostra esta panóplia de habitats numa curta distância. Começando por entre um impenetrável urzal junto ao Paul da Serra, somos levados por uma floresta deslumbrante – em que 60% da área está no seu clímax vegetativo – que vai mudando à medida que se desce por uma vereda, ora escorregadia, ora quase imperceptível. Na parte final, a floresta deslumbrante quase se torna numa selva implacável. A estreita vereda junto às falésias de centenas de metros são o parapeito entre uma beleza estonteante – onde o azul do mar tenta fazer inveja ao verde da floresta – e uma queda fatal para o abismo.

Mesmo um profundo conhecedor das formações vegetais e dos animais do continente europeu terá dificuldades em identificar as espécies do arquipélago da Madeira. Os endemismos – ou seja, espécies que apenas existem nesta região – são em tão grande número que calcorrear uma vereda ou entrar pela floresta causa uma estranha sensação de destruição atroz. “Numa pequena parte de uma falésia junto ao litoral poderemos encontrar mais de 20 endemismos, entre plantas, musgos e líquenes”, diz Miguel Sequeira, botânico da Universidade da Madeira. O mundo vegetal desta pequena ilha chega a impressionar, mesmo a nível mundial. Estão actualmente inventariadas cerca de 780 plantas vasculares, das quais mais de 234 são endemismos macaronésicos e 157 são exclusivos deste arquipélago. E, nos últimos anos, tem-se feito rectificações nas identificações, pelo que é previsível que este número aumente. “Algumas espécies que se pensavam serem comuns noutros países, são afinal endémicas, dando origem a novas espécies”, afirma Roberto Jardim, director do Jardim Botânico da Madeira. Os musgos e plantas hepáticas são mais de 550 – também um número em crescendo à medida que são feitos mais estudos –, sendo que 35 são endémicos e 10 exclusivos da Madeira. “Estas ilhas são o El Dorado dos briologistas”, sustenta Susana Fontinha, que há três anos integrou uma equipa que classificou uma nova espécie de líquen nas ilhas Desertas.

Nos seres invertebrados, a lista ainda é maior. Já Charles Darwin, no livro “A Origem das Espécies”, se mostrava maravilhado com a diversidade e formas evolutivas de muitos dos insectos da Madeira. Por agora, estão inventariadas, pelo menos, 3300 espécies, sobretudo insectos, muitos microscópicos e outros cavernícolas, e moluscos, sobretudo caracóis e lesmas. Cerca de 30% são endemismos. E, neste caso, há mais espécies à espera de serem descobertos. Mas mesmo muitas mais. “Há vários milhares de espécies ainda por descobrir”, diz Dora Pombo, uma entomóloga galega da Universidade da Madeira. O reitor da Universidade da Madeira, Ruben Capela, também entomólogo, reforça esta ideia e lamenta que, em Portugal, não se aposte mais na taxonomia. “Só existem verbas para investigar insectos que sejam prejudiciais ao Homem, não se aposta no conhecimento básico e os taxonomistas são uma ‘espécie’ em extinção”, critica, exemplificando com o facto de se ter visto na necessidade de enviar para laboratórios estrangeiros cerca de duas dezenas de prováveis espécies novas de insectos para identificação. “Existem registos, como na floresta amazónica, de invertebrados que nunca descem das copas das árvores, mas nunca conseguimos ver aprovado um projecto para os estudar”, queixa-se o reitor.

Num mundo primitivo – que, em alguns sítios, nos fazem lembrar os cenários do Jurassic Park –, as plantas e os insectos são reis e senhores, mas não os únicos habitantes. É a vantagem de se ter sementes ou ser-se pequeno. Os vertebrados são, assim, em reduzido número relativamente às regiões naturais do continente europeu. Mas poucos não significa pouca importância. Por exemplo, no arquipélago da Madeira, apesar de apenas ocorrerem 42 espécies de aves, das quais nove são endémicas, existem dois dos maiores santuários de aves a nível mundial: as ilhas Desertas e as Selvagens. Mas mesmo na ilha da Madeira encontram-se algumas “relíquias” endémicas: o pombo-trocaz – a ave emblemática da floresta laurissilva –, a freira-da-Madeira, a freira-do-Bugio, o canário-da-terra, a andorinha-da-serra, o corre-caminhos e algumas rapinas. Os anfíbios e répteis são pouco frequentes – embora haja uma lagartixa tenha o condão de polinizar uma planta –, enquanto que os peixes de água doce estão ausentes, devido à torrencialidade e grandes cascatas das ribeiras. Mas essa ausência acaba por ser compensada pela riqueza das águas do mar, cujo exemplo é a Reserva Natural do Garajau, a este do Funchal, a única área protegida exclusivamente marinha do país, criada em 1986.

Os mamíferos terrestres também são raros, embora os marinhos estejam (bem) representados pela foca-monge – um dos mamíferos marinhos mais raros do Mundo – e por 18 espécies de cetáceos. Em terra, merecem especial realce cinco espécies de quirópteros, sobretudo o morcego-da-Madeira, endémico da Macaronésia. E já não é pouco...

No entanto, nem tudo são rosas na biodiversidade da Madeira. Existem mesmo muitos espinhos encravados na Natureza, fruto de anos de intensa humanização. Se as ilhas Desertas e as Selvagens estão completamente a salvo – sobretudo agora que esta última se apresta para ser classificada pela Unesco como Património Mundial Natural –, as ilhas do Porto Santo e da Madeira – apesar do seu estatuto de protecção alargado com os sítios da Rede Natura – possuem significativos problemas e ameaças. O último Livro Vermelho da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), divulgado em Outubro do ano passado, apresenta um cenário algo negro para o arquipélago da Madeira: 16 espécies em risco crítico de extinção, 11 em perigo de extinção e 45 em situação muito vulnerável. De acordo com a lista do IUCN, se a Madeira – que em termos territoriais é minúsculo – fosse um Estado, seria o quinto país europeu com mais espécies ameaçadas, a seguir à Rússia, Espanha, França e Itália. Estando integrada em Portugal, faz com que o nosso país seja o 38º a nível mundial com mais espécies ameaçadas e o segundo em toda a Europa, a seguir à imensa Federação Russa. E se se considerar apenas os animais, Portugal está nos 20 primeiros do Mundo com mais espécies ameaçadas.

O grupo dos moluscos madeirenses encabeça esta “lista negra” com 55 espécies entre os três principais estatutos do IUCN para as espécies ameaçadas. Curiosamente, as duas últimas espécies endémicas portuguesas que “aceleraram” para a extinção, declarada em 1996 pelo IUCN, foram dois caracóis terrestres madeirenses (Leiostyla lamellosa e Psedocampylaea loweii). Mas nesta lista do IUCN estão também estão em vias de extinção plantas e animais de grande simbolismo deste arquipélago: a foca-monge (mamífero), a freira-da-Madeira (ave) e duas borboletas endémicas, bem como o incenseiro da Madeira, a sorveira, o cedro-da-madeira (plantas). Para as três plantas, estão inventariadas, para cada uma, menos de 40 árvores à escala mundial. Mas mesmo as principais árvores da floresta laurissilva – como o loureiro, til, o vinhático e o azevinho – encontram-se num limiar próximo das espécies ameaçadas a nível mundial, de acordo com os dados do IUCN.

Outras espécies de árvores, outrora abundantes na Madeira, estão praticamente extintas na Madeira – embora não nas outras ilhas macaronésicas –, nomeadamente o mocano, a tintureira, o marmulano e o dragoeiro. Para esta última planta – um símbolo natural da Madeira, cujo aspecto arbóreo esconde a sua verdadeira fisiologia de herbácea – restam apenas três exemplares selvagens, numa falésia da zona da Ribeira Brava.
Para agravar ainda mais este cenário, um recente estudo desenvolvido por investigadores portugueses sobre as acções de conservação da flora portuguesa, aponta mesmo para um maior número de espécies vegetais em perigo. No caso dos briófitos da Madeira, três espécies encontram-se em perigo de extinção, 15 estão vulneráveis e 42 são raras, enquanto que para as plantas vasculares endémicas encontram-se 32 espécies em perigo de extinção, outras 41 estão vulneráveis e 32 são já raras.

A principal causa desta situação foi – em especial nos casos do vinhático, til e cedro-da-Madeira – o abate indiscriminado durante séculos para a construção de casas, móveis e outros utensílios de madeira. Outras árvores e arbustos foram sendo utilizadas, de forma mais ou menos desregrada, para a construção civil, marcenaria e diversos utensílios domésticos e agrícolas. Susana Fontinha garante que, desde os anos 20 do século passado, “a floresta é exclusivamente de protecção, não há cortes e além dos vigilantes da natureza, temos o corpo de guardas florestais com quase 90 elementos a darem-nos apoio; na Madeira os políticos já se aperceberam da sua riqueza ambiental e económica”. A criação em 1988 do Parque Natural da Madeira – que ocupa dois terços da ilha – foi o corolário dessa nova postura. Actualmente a única excepção de corte, autorizada apenas em casos especiais, é o da urze-das-vassouras, utilizada para protecção das culturas agrícolas no litoral contra a maresia.

Apesar de considerar que existem motivos de preocupação, sobretudo nos habitats de baixa altitude, Miguel Sequeira relativiza alguns estatutos de perigo de extinção. “Muitas espécies endémicas, sobretudo se forem exclusivas da Madeira, têm uma área espacial de ocorrência relativamente limitada, mas nem sempre conhecida por completo, ficando, desde logo, integrada num estatuto vulnerável”, afirma este biólogo. E, além disso, salienta, “a inclusão de espécies ameaçadas depende muito da profundidade dos estudos que se realizam num determinado país e do seu peso político a nível internacional e junto do IUCN”. Na mesma linha segue o reitor da Universidade da Madeira. “A investigação em biologia depende de aspectos práticos, mas também da afeição que um determinado grupo merece por parte dos investigadores e das pessoas em geral. Por exemplo, quem se preocupa que um determinado mosquito se extinga, mesmo que os investigadores digam que isso pode vir a provocar uma epidemia de outras espécies?”, questiona Ruben Capela. Será, porventura, por causa disto que sendo a Madeira um museu vivo de insectos – com quase três mil espécies conhecidas –, estejam apenas quatro na “lista vermelha” do IUCN, sendo que três delas são borboletas, as mais amada deste extenso grupo de “indesejados”. “É muitíssimo improvável que na Madeira não haja mais espécies de insectos em risco de extinção, ou seja, isto significa que existem poucos estudos e não que as espécies de insectos estão de boa saúde”, salienta Ruben Capela.

Na generalidade, não se pode acusar a Madeira de não se preocupar com este cenário pouco idílico. Na última década foram investidos em projectos de conservação da natureza na Madeira, financiados pela União Europeia, mais de sete milhões de euros, abrangendo a foca-monge, cetáceos, moluscos e a recuperação e gestão da floresta laurissilva e outros habitats. Mas nem sempre as medidas chegam a bom porto. Nuns casos por colidirem com outros interesses, noutras situações por a recuperação ser onerosa ou tecnicamente difícil. As plantas infestantes são disso um exemplo. Actualmente, cerca de meia centena de espécies exóticas introduzidas nos últimos séculos invadiram extensas áreas da ilha, sobretudo na vertente sul. E já começam a atingir algumas áreas no interior do Parque Natural, como acontece com a bananilha, uma herbácea oriunda da Índia que forma tapetes compactos até dois metros.

Por outro lado, a recuperação de espécies vegetais em risco de extinção, feita sobretudo pelo Jardim Botânico da Madeira, não tem sido tarefa fácil. “Para repovoamentos, recolhemos sempre material genético, sementes ou caules, de exemplares da Natureza, como fizemos com os dragoeiros e em algumas plantas do litoral, mas é um processo difícil e moroso, nem sempre com resultados assegurados”, salienta Roberto Jardim. “Existem espécies, como o incenseiro da Madeira, em que a reprodução é complicada – provavelmente extinguir-se-ia mesmo sem pressão humana –, embora recentemente tenhamos descoberto um método que nos permitirá fazer repovoamentos”, salienta. Em alguns casos, para fazer germinar as sementes, são encontradas soluções inesperadas e insólitas. Por exemplo, há alguns anos descobriu-se que para fazer germinar as sementes do cedro-da-Madeira bastaria “lavá-las” com.... sabão azul!
Ainda mais complexo e lento tem sido a recuperação de habitats destruídos pelo pastoreio desregrado. Largadas ao relento, cabras e ovelhas dizimaram áreas de herbáceas e de matos nas serranias, não permitindo também a regeneração natural do arvoredo. A “coisa” já foi pior, mas ainda é possível encontrar muitas cabras e ovelhas ao Deus dará, comendo tudo o que lhes aparece pela frente. Raimundo Quintal, geógrafo e ex-vereador da autarquia do Funchal, é um adversário feroz do pastoreio nas serras madeirenses. “A criação de gado é uma estúpida questão tradicional, não há razões económicas; não existem rebanhos organizados, nem pessoas economicamente dependentes do gado”, salienta aquele que é considerado um dos maiores divulgadores da Madeira natural. Para acabar com a degradação – que despiu, quase por completo, a vegetação no Paul da Serra e em algumas zonas do Pico Ruivo e do Areeiro – o Governo Regional da Madeira instituiu um incentivo à redução do pastoreio livre, oferecendo aos proprietários, durante cinco anos, 38 euros pela retirada de cada cabeça de gado. “No ano passado gastámos cerca de um milhão de euros em pagamentos de compensações, esta é uma medida feita com diálogo mas de forma intransigente; para quem não cumprir o gado é morto pelos guardas florestais”, diz Manuel António Correia, secretário regional do Ambiente. “Com esta medida beneficiou-se o infractor”, critica Raimundo Quintal que, apesar disso, releva a recuperação encetada em várias zonas já libertadas do gado, nomeadamente no Paul da Serra e Pico do Areeiro. Nesta última zona, grupos de voluntários já plantaram, nos últimos anos, milhares de plantas indígenas em terrenos do Parque Ecológico do Funchal. E os resultados começam já a ser visíveis.

Sem solução à vista parece estarem as queimadas de matos que, indiscriminadamente, são feitas por populares, mesmo durante a noite, como a GRANDE REPORTAGEM confirmou. A sorte é que, na esmagadora maioria dos casos, afecta apenas as zonas mais próximas dos aglomerados urbanos e afastadas da floresta laurissilva. Mas mesmo com a elevada humidade, já ocorreram incêndios em áreas de floresta laurissilva, que se tornam catastróficos face à dificuldade de os atacar. E em algumas zonas fustigadas pelos fogos, a diferença para a floresta natural original é, diga-se, tristemente abissal.

As atenções ambientalistas sobre a Madeira estão agora, mesmo a nível internacional, de olhos postos na evolução de um projecto, no Pico do Areeiro, que poderá pôr em risco uma das mais ameaçadas aves do Mundo. No momento em que ainda se ouvem os ecos da aceitação da candidatura das ilhas Selvagens a Património Mundial Natural da Unesco – devido à sua riqueza em aves marinhas – os ambientalistas receiam que a projectada construção de um radar militar da NATO possa afectar a freira-da-Madeira. Considerada extinta até finais dos anos 60, esta ave foi entretanto “redescoberta” mas já em estado de grande vulnerabilidade, estando apenas referenciados 30 casais. Vivendo praticamente meio ano em alto mar e estando em terra apenas para nidificar, as fêmeas põe apenas um ovo por ano num ninho escavado em falésias do Pico do Areeiro. Durante anos, os seus principais inimigos eram os ratos e os gatos abandonados que lhes comiam os ovos. Mas agora, a principal ameaça é tecnológica.

Perante a acérrima oposição dos ambientalistas e o comprometedor silêncio do Ministério do Ambiente, tem sido o ministro da Defesa, Paulo Portas, a “comandar” as hostilidades. Já chamou “eco-xiitas” aos ambientalistas e estes responderam-lhe na mesma moeda, acusando-o de mentiroso. O braço-de-ferro deverá continuar nos próximos tempos, tanto mais que várias associações ambientalistas – a Liga para a Protecção da Natureza, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves e a Bird Life International – já se queixaram à Comissão Europeia, visto que esta área está já classificada definitivamente como sítio de interesse comunitário no âmbito da Rede Natura, existindo mesmo um projecto de conservação da freira-da-madeira financiado pelo programa Life. O secretário regional do Ambiente da Madeira prefere não meter-se nesta “guerra”, dizendo que “o Governo Regional é solidário com os propósitos do Governo português”. Mas Manuel António Correia vai acrescentando que “os estudos apontam para que não haja qualquer impacte ambiental, tanto mais que o radar situar-se-á no mesmo local da pousada do Pico do Areeiro, além de que se vai adquirir, como medida de compensação, cerca de três mil hectares para serem entregues à gestão do Parque Natural”. Diga-se, contudo, que a compra dos terrenos já está garantida não por causa do radar, mas sim devido ao projecto do programa Life, da União Europeia, que visa a preservação da freira-da-Madeira. E que, ao contrário daquilo que os responsáveis políticos dizem, o estudo de incidências ambientais, encomendado à Universidade de Aveiro, não consegue mais do que concluir que “quantos aos efeitos da radiação emitida pelo radar (...) é difícil afirmar com determinação a ocorrência ou não de incidência” sobre a freira-da-Madeira. José Alho, presidente da LPN, diz “não compreender a insistência do Ministério da Defesa na construção do radar, porquanto não provou que este equipamento é imprescindível, sabendo-se que está em causa a extinção de uma espécie única”. “Em caso de dúvida, deve aplicar-se o princípio de precaução; numa extinção não há forma de corrigir erros”, salienta.

Outro projecto polémico, desta vez em plena floresta laurissilva, prende-se com o prolongamento da estrada do Fanal até ao Paul da Serra. Há cerca de uma década atrás, o Governo Regional alargou e asfaltou um caminho de terra desde a povoação do Seixal até ao posto florestal do Fanal, atravessando uma zona de floresta natural. Agora, o Governo Regional quer acabar a “obra-prima”. O secretário regional do Ambiente defende que “os madeirenses têm necessidade desta estrada até ao Paul da Serra para usufruto, para os seus passeios”. Frontalmente contra este projecto está Raimundo Quintal. “Esta estrada não faz qualquer sentido”, contrapõe este geógrafo, acrescentando que “não serve populações, nem beneficia em nada o turismo, apenas destrói a floresta”.

Estes dois projectos serão, porventura, o calcanhar de Aquiles da postura pró-ambiental da Madeira e do seu Governo regional, sendo evidentes os esforços em inverter a degradação de alguns habitats, recuperar espécies ameaçadas e manter o seu património natural. De resto, pode-se dizer que, quando todos os estereótipos já foram inventados para criticar a gestão da “res publica” pelo Governo de Alberto João Jardim, talvez neste sector a Madeira possa pedir, com justiça, meças ao Continente. Não é tudo perfeito, muito longe disso – e é bom nem falar do urbanismo, ou falta dele, nas povoações madeirenses –, mas em política de conservação da natureza e gestão de áreas protegidas, o Continente tem muito a aprender com a Madeira. Em postura, mas também em paixão e orgulho naquilo que a Natureza deu e ainda existe.





Caixa 1 - Uma floresta que vale ouro

A floresta laurissilva não é apenas um mostruário natural. É um espaço vital para a economia e sobrevivência humana da ilha da Madeira. A começar pelo líquido chamado água. Numa ilha de pequena extensão, mesmo chovendo muito, a água escorreria ingloriamente até ao mar caso não existisse uma densa floresta. A estrutura da laurissilva consegue não só armazenar a água, como captá-la dos próprios nevoeiros, três vezes aquilo que chove, segundo dizem os especialistas. Além disso, sem a vegetação, torrentes de água, pedras e lama transformar-se-iam facilmente em catástrofes. Que, aliás, se verificam de tempos em tempos, sobretudo na vertente sul, mais humanizada e alterada, onde a vegetação natural foi ocupada por campos agrícolas, casas, pinhais e eucaliptais.

Desde o século XIX existem registos de cheias catastróficas – denominadas localmente por aluviões –, tendo a mais destrutiva ocorrido em 1803, matando cerca de mil pessoas do Funchal, 4% da população de então. Mas se a tragédia humana nunca mais atingiu aquelas proporções, a frequência intensificou-se. “Nos últimos dois séculos, cerca de 70% das aluviões registaram-se nas últimas cinco décadas”, diz Raimundo Quintal, geógrafo e ex-vereador da autarquia do Funchal. “A floresta é a maior barreira e defesa contra as cheias; isso é uma das suas maiores virtudes”, salienta.

Mas há muitas mais virtudes. E algumas mesmo à mão de semear, embora quase não sejam aproveitadas. É o caso do potencial farmacológico das plantas da Madeira. “Na medicina tradicional há muitas utilizações de plantas e mesmo de fungos, mas existem pouca investigação nacional para a caracterização das substâncias vegetais que possam ter propriedades farmacológicas, diz Roberto Jardim, director do Jardim Botânico da Madeira. Contudo, com tantas plantas ali mesmo à mão, “nada garante que multinacionais não tenham já vindo à Madeira recolher plantas para as estudar, encontrado e patenteado substâncias novas para a medicina”. Miguel Sequeira, biológo da Universidade da Madeira, defende que esta postura deve ser alterada. “Se não soubermos esses potenciais, nunca se poderá reivindicar qualquer eventual retribuição ao abrigo da Convenção da Biodiversidade”, diz.

O turismo de Natureza é outra componente económica importante da Madeira, mas cuja exploração é ainda incipiente, sobretudo entre a população portuguesa do continente. Para estes, a Madeira é pouco mais do que o sol no Verão, o Funchal, o Carnaval, a Festa da Flor e a passagem de Ano. Por isso, pelas veredas e levadas da Madeira os caminhantes são sobretudo madeirenses ou então estrangeiros, mas a informação disponibilizada ainda é reduzida, sobretudo em termos de marketing internacional que ofereça a Madeira como um destino de turismo de Natureza por excelência. E é bom que esse passo seja dado, uma vez que se estima que este seja um dos negócios mais florescentes a nível mundial, com crescimentos anuais de até 20 por cento em algumas áreas naturais do Mundo. Com a vantagem que o turista de Natureza tem, regra geral, elevado poder de compra e é respeitador dos valores ambientais que visita.



Caixa 2 - Principais espécies ameaçadas na Madeira

Segundo a lista da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), a Madeira possui 16 espécies em risco crítico de extinção, 11 em perigo de extinção e outras 45 em situação vulnerável. Os moluscos – porventura por terem sido mais estudados –, com muitos endemismos sobretudo em Porto Santo, são o grupo com maior número de espécies ameaçadas. Mas existem outras espécies mais conhecidas e simbólicas que estão em risco de desaparecer.


Freira-da-Madeira (Pterodroma madeira)
Risco crítico de extinção

Embora a ecologia desta ave marinha ainda seja um mistério, sabe-se que apenas está em terra durante meio ano para acasalar em ninhos que escava em escarpas do Pico do Areeiro, na ilha da Madeira. Apenas existe cerca de 30 casais – que são fiéis durante a vida – e apenas chocam um ovo por ano.


Foca-monge (Monachus monachus)
Risco crítico de extinção

Também chamado lobo-marinho, esta é a foca mais rara do Mundo, distribuindo-se desde a costa noroeste de África até à Madeira, embora existiam apenas cerca de 400 indivíduos. As ilhas Desertas são conhecidas por possuir a maior colónia, com cerca de 20 animais, tendo-se já referenciado a sua ocorrência na Ponta de São Lourenço, na ilha da Madeira.


Grande-branca-da-Madeira (Pieiris wollastoni)
Risco crítico de extinção

Borboleta endémica cujo nome científico foi dado em honra de Thomas Wollaston – naturalista inglês amigo de Darwin, que se serviu dos seus estudos para citar a Madeira no livro “A Origem das Espécies –, está praticamente desaparecida, devido a parasitas exóticos.


Cleópatra da Madeira (Gonepteryx maderensis)
Perigo de extinção

Borboleta endémica da Madeira, bastante rara, vive na floresta laurissilva, nas copas das árvores.


Incenseiro da Madeira (Pittosporum coriaceum)
Risco crítico de extinção

Pequena árvore que se desenvolve em zonas escarpadas da floresta laurissilva de odoríferas flores amarelo pálido, está quase extinta na Natureza. Depois de vários anos de tentativas, o Jardim Botânico da Madeira conseguiu recentemente a sua reprodução “in vitro”.


Cedro da Madeira (Juniperus cedrus)
Perigo de extinção

Conífera de zonas escarpadas da floresta laurissilva, é bastante rara devido ao corte excessivo durante século, uma vez que a sua madeira era bastante apreciada para marcenaria e construção civil, sendo exemplo os tectos da Sé do Funchal. Em estado natural existem apenas, na Madeira e Canárias, 39 exemplares.


Sorveira (Sorbus maderensis)
Risco crítico de extinção

Arbusto de alta montanha, os fogos e a pastorícia reduziram a sua população a apenas cerca de 30 exemplares, sobretudo localizados junto ao Pico do Areeiro.

quarta-feira, março 03, 2004

Nota: Interdita a reprodução sem autorização do autor. Os textos não estão editados. Poderão existir diferenças entre estes textos e aqueles que foram publicados na revista.


ARRÁBIDA - Grande Reportagem, Novembro de 2002

Sebastião da Gama, num dos seus apaixonados poemas, escreveu um dia: “Chego a julgar a Arrábida como Mãe". Vivesse ainda o poeta e veria agora uma Mãe carcomida, cujos filhos humanos, ao invés de cuidarem da sua beleza, a parasitam e maltratam. A serra da Arrábida é um daqueles infelizes e absurdos casos de um país que delapida até ao tutano as suas mais belas paisagens. Já não chegavam as pedreiras que a esventram sem descanso nem pudor, nem tão-pouco ter-se estado na iminência de no seu seio laborar uma cimenteira para queimar lixos perigosos. Mais do que o berço do cimento e da pedra que tem alimentado a construção desenfreada do país, a Arrábida foi também contagiada pela febre do betão. O mesmo palco onde a Natureza quis mostrar a sua perfeição é agora o cenário para as mais puras imperfeições do comportamento humano: os truques, os esquemas, a negligência, a conivência e outras coisas que uma qualquer Operação Mãos Limpas certamente tiraria a limpo. Vivendas ilegais ou em zonas proibidas, áreas de construção em excesso, desorganização dos arquivos dos processos, falta de fiscalização durante e após as obras, embargos sem qualquer efeito prático e favorecimentos suspeitos são elementos característicos do quotidiano desta área pseudo-protegida. Conhecendo os princípios e as leis que deveriam reger o Parque Natural da Arrábida, basta percorrer qualquer caminho de terra batida e olhar as escondidas e sumptuosas vivendas para começar a desconfiar que das duas, uma: ou estamos no Terceiro Mundo da conservação da natureza, ou então algo de muito estranho se tem passado na gestão desta área protegida. Analisando vários processos, a segunda hipótese surge como a mais plausível.

Criado em 1976, o Parque Natural da Arrábida é, sem exageros, uma anedota vergonhosa. Muitos dos dislates que se vêm cometendo, sobretudo na última década, não seriam mesmo possíveis se, ironicamente, esta não fosse uma área protegida. Há, de facto, coisas apenas imagináveis em Portugal. Por exemplo, uma das situações mais absurdas e surrealistas desta área protegida está relacionada com a Reserva Ecológica Nacional (REN). Em termos sucintos, a REN consiste numa servidão que implica a proibição de movimentações de solos e a construção em áreas sensíveis do ponto de vista ecológico. Desde o Minho até ao Algarve, qualquer proprietário sabe que a REN significa automaticamente um chumbo às pretensões de construção. Mesmo o Estado e as autarquias têm dificuldades em avançar com projectos nessas zonas, tendo de provar que o interesse público prevalece, necessitando mesmo assim de pedir formalmente uma desanexação por uma comissão nacional específica. Ora, o que se esperaria num Parque Natural? Se pensa o leitor que se deveria ser ainda mais exigente, desengane-se. Pelo contrário, nesta área protegida, a própria comissão directiva é a primeira a defender que... se pode construir. Tudo porque um pouco inocente diploma legal dos anos 90 determinou – vá-se lá saber os verdadeiros motivos – que nas áreas protegidas é como se não existisse REN. Ou melhor, as autarquias até têm uma carta da REN – elaborada pela respectiva Direcção Regional do Ambiente –, mas as direcções dos parques não aplicam o seu regime restritivo. Serem ambas as entidades tuteladas pelo mesmo Ministério, no caso o do Ambiente, não parece ser motivo para que esta incoerência envergonhe o Governo.

Incoerências e absurdos à parte, a consequência desta situação é funesta: se a Arrábida não fosse Parque Natural seria proibido construir em áreas de REN; como é uma área protegida, então pode-se construir. E muito se tem construído. “Isto não faz qualquer sentido", diz o arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles. O pai político do Parque Natural da Arrábida e mentor do regime da REN afirma que "uma área protegida e uma área de REN comungam dos mesmos objectivos de conservação; sendo até mesmo superior no primeiro caso". Logo, segundo defende, "uma área protegida é, no seu todo, uma área de REN", acrescentando que "um país que não sabe preservar a sua paisagem não a merece e mais não faz do que perder a sua identidade nacional".

Subjacente a esta isenção na aplicação da REN nas áreas protegidas estava o facto de se pretender evitar uma duplicação de regimes, mas o espírito português é sempre mais afoito em proteger os interesses urbanísticos do que a Natureza. Com medo de proteger a dobrar, acabou por nada se proteger. "Como as áreas protegidas teriam todas planos de ordenamento, estes deveriam incorporar as zonas com características de REN nas suas normas", salienta José Alho, presidente da Liga para a Protecção da Natureza. Assim foi no caso da maioria dos parques e reservas naturais do país. Mas em algumas, como no Parque Natural da Arrábida, os atrasos na elaboração dos planos de ordenamento permitiu abrir uma brecha, rapidamente aproveitada com o beneplácito das sucessivas comissões directivas. "Aquilo que está a acontecer no Parque da Arrábida em relação à REN é uma completa subversão dos princípios de conservação", critica Francisco Ferreira, dirigente da Quercus. Aliás, o absurdo ainda é maior quando se verifica que a mesma comissão directiva do Parque da Arrábida chumba projectos urbanísticos por causa da REN na área adjacente ao Cabo Espichel que não sendo área protegida de âmbito nacional é, contudo, classificada como Rede Natura pela União Europeia.

Mas mais do que subversão, perversão é a palavra que melhor caracteriza a gestão do Parque Natural da Arrábida. A origem dos males da Arrábida não radicam apenas na ausência de plano de ordenamento. Na verdade, até existem algumas normas urbanísticas desde 1980, que caso tivessem sido bem aplicadas poderiam ter evitado o desastre actualmente reinante. Os princípios dessa portaria do início dos anos 80 até eram muito bem intencionados. Em relação às questões urbanísticas salientava que “numa perspectiva de protecção do património cultural e paisagístico e do equilíbrio biofísico, considera o Parque Natural da Arrábida como nocivo aos valores que pretende defender, o potencial incremento da população residente ou de segunda habitação, bem como, na generalidade, a proliferação de todo o tipo de construção”. Mais concretamente, nas áreas urbanas dava à direcção do Parque o direito de veto à expansão construtiva e nas zonas rurais apenas considerava a possibilidade de edificação que estas tivesse em conta a viabilidade agrícola e económica das propriedades. Está infelizmente à vista que nada disto foi levado a sério. O Parque da Arrábida é um daqueles casos reais que confirmam o ditado popular "de boas intenções está o Inferno cheio". Com efeito, fazendo uma viagem pelas aldeias e serranias ou comparando as fotografias aéreas de 1985 e de 1999, facilmente se constata que as boas intenções foram mandados às malvas. Não só as principais aldeias do interior do Parque – como Aldeia dos Irmãos, Oleiros, Vila Nogueira e Vila Fresca de Azeitão, Picheleiros e Casais da Serra – viram os seus perímetros urbanos aumentarem exponencialmente, como as zonas rurais foram invadidas por vivendas como se estas tivessem caído anarquicamente de pára-quedas. Se em 1985 a paisagem rural da Arrábida era um regalo para os olhos, nas fotografias aéreas de 1999, os rectângulos laranja e os pontinhos azuis denunciam, sem qualquer dúvida, o destino pouco agrícola das propriedades rurais. Dezenas e dezenas vivendas e de piscinas enxameiam agora a paisagem. Muitas estão longe da vista, mas todas destroçam o coração desta área protegida.

O Parque Natural da Arrábida viu-se, nos últimos anos, transformado num autêntico departamento de urbanismo. Segundo técnicos do Parque, em média chegam dois novos pedidos de licenciamento por semana. Mais de uma centena por ano. Tudo isto para uma área que pouco ultrapassa o equivalente a um quadrado de 10 quilómetros de lado. Apesar do evidente regabofe de construção, o actual director do Parque, Celso Santos, num ofício recentemente enviado à Quercus ainda tem o descaramento de garantir que “efectivamente, têm sido respeitados os princípios estabelecidos na portaria (de 1980), nomeadamente no que respeita à construção dentro do Parque”.
Apenas por brincadeira se pode produzir esta afirmação. A Grande Reportagem seleccionou cerca de uma dezena de processos de construção para saber como são analisados e acompanhados os processos de construção pelos serviços do Parque Natural da Arrábida e pelas autarquias. A descida aos confins dos arquivos desta área protegida é uma autêntica viagem tétrica.

A primeira sensação que se tem quando se começa a analisar os processos em arquivo é a de um puzzle impossível de completar. Desorganização é um eufemismo para caracterizar aquilo com que qualquer pessoa depara na análise das peças processuais de um qualquer projecto de vivenda. Não existe qualquer registo cronológico das diferentes fases do processo de aprovação e acompanhamento das obras, os ofícios e outros documentos não têm qualquer numeração, não se vislumbram na maioria dos casos quaisquer pareceres técnicos que sustentem as decisões e mesmo quando existem embargos ou contra-ordenações – o que, diga-se, é raro – fica-se sem saber quais foram as consequências. Em variados processos, as lacunas de informação são tantas, a confusão é tão grande que apenas por via indirecta alguém com conhecimentos de "urbanês" consegue encontrar o fio à meada e detectar casos suspeitos.

Mesmo perante estas dificuldades – a que acresce a indisponibilidade de um director em esclarecer pessoalmente ou por escrito alguns dos aspectos mais polémicos –, não é difícil concluir que a Arrábida é a terra das oportunidades acima de qualquer lei ou decoro. Alguns casos seriam mesmo cómicos, não fosse serem graves. E, por falar em cómico, veja-se um caso paradigmático do maior comediante português, de seu nome Herman José Krippahl. Estava-se nos finais de 1985 quando os serviços do Parque Natural da Arrábida detectaram uma construção ilegal na sua propriedade de menos de um hectare. O auto da praxe foi levantado, mas logo depois daria entrada um processo de legalização. Cerca de um ano depois, novo embargo, desta vez por causa da construção de uma garagem. O mesmo expediente foi usado: pedido de legalização desta edificação. A partir daqui faltam documentos no processo, desconhecendo-se os pressupostos legais que justificaram a legalização, bem como as áreas autorizadas. Certo é que, legalmente com uma propriedade inferior a um hectare, Herman José nunca teria direito a mais do que uns meros 40 metros quadrados de construção, de acordo com a portaria de 1980. Contudo, por fotografia aérea de 1999 detectam-se, na sua propriedade, três edifícios e uma piscina, quando em 1985 não se via nada naqueles terrenos. Só a garagem tem quase 80 metros quadrados. Mais recentemente, Herman José adquiriu um terreno contíguo com cerca de 1,3 hectares, onde aparecia no registo predial a existência de duas ruínas com uma área total de 51 metros quadrados. Esta deveria ser a área máxima permitida e assim defendia a autarquia de Setúbal que, num parecer de 1997, salientava que "como só se encontram devidamente registadas duas construções, apenas serão só essas que o requerente poderá reconstruir".

Contudo, um ano depois, um parecer dos serviços do Parque Natural da Arrábida permitiu que construísse um solário e três pequenos edifícios com uma área global de cerca de 155 metros quadrados, ou seja, três vezes mais do que aquilo que a portaria permite. Mesmo perante a benesse do Parque Natural da Arrábida contrária à lei, Herman José pôs-se a construir em excesso e, perante o pedido da Grande Reportagem para consultar o processo – já que a tabuleta com o anúncio do alvará junto à obra estava em branco –, os serviços do Ministério do Ambiente acabariam por embargar a obra em finais de Agosto passado. As cenas dos próximos capítulos seguem dentro de momentos, mas lá diz o ditado português que "não há duas sem três", neste caso embargos que dão em processos de legalização sem quaisquer penalizações.

Herman José não pode, contudo, ser acusado de ter beneficiado de um tratamento especial. No Parque Natural da Arrábida todos, quase sem excepção, não encontram grandes dificuldades para usar pequenos e grandes truques para obtenção de áreas de construção, pois os impedimentos das sucessivas comissões directivas são tão raros que podem ser considerados em risco de extinção. Existem vários estratagemas – e tão óbvios e fáceis que até impressionam – para obter áreas de construção superiores aquelas que, em princípio, se teria direito (ver caixa). Na ausência de plano de ordenamento e face ao laxismo no cumprimento da portaria de 1980, quase todos os proprietários de terrenos vestem a pele de agricultor, conseguindo assim áreas suplementares sob a forma de adegas, celeiros, armazéns para alfaias agrícolas, bem como aposentos para os empregados. Em muitos casos, obtém-se assim mais do dobro da área que seria admissível, mesmo quando é evidente que a actividade agrícola é inexistente ou de difícil viabilidade económica. Veja-se, por exemplo, o caso de uma propriedade de cerca de nove hectares no Vale do Pereiro, em Azeitão, numa zona onde os matos prevalecem e não é preciso ser-se técnico para concluir que a agricultura é uma miragem. Neste caso o truque foi constituir uma empresa denominada Sociedade Agrícola Quinta da Arruda – com sede nas Torres das Amoreiras, em Lisboa – que conseguiu a aprovação de uma moradia com 350 metros quadrados, quando o máximo para a área patronal era de apenas 200 metros quadrados. Neste caso, contrariando a portaria de 1980, não existe qualquer estudo de viabilidade económica da futura exploração agrícola. Mesmo com esta benesse, a empresa não teve pejo de começar a edificar uma sumptuosa vivenda com os anexos supostamente agrícolas ligados à parte patronal, sem qualquer diferença arquitectónica e de materiais. Quando os escândalos das urbanizações na Arrábida surgiram na comunicação social, a direcção do Parque Natural começou a intensificar a fiscalização e detectou então aquilo que era uma evidência: a empresa agrícola estava a construir segundo um projecto que nada tinha a ver com aquilo que tinha sido aprovado. Contas feitas, todo o conjunto edificado tinha uma área de 480 metros quadrados, ou seja, mais quase 40% em excesso. A obra foi entretanto embargada, mas como já está concluída, a empresa proprietária fez entrar um pedido de legalização que aguarda resposta do Parque Natural.

Aliás, sempre que se detectam situações ilegais, os infractores são bastante imaginativos nas desculpas e nos pedidos de alteração e legalização das áreas em excesso. O "prémio" para a justificação mais descarada por uma obra ilegal – e consequente pedido de alteração do projecto – foi dada em 1989 pelo arquitecto de uma moradia unifamiliar pertencente a Manuel Varela, um construtor civil da região de Setúbal. Escrevia aquele responsável, num pedido ao Parque Natural da Arrábida, que "sendo a arquitectura a complexa técnica de mexer com a realidade existencial da sociedade e sentindo-se esta ao serviço dessa sociedade, é digno que ela se adapte aos seus utilizadores e essencialmente defenda o bem estar psíquico e psicológico de quem a utiliza e permitir que através da evolução desse utilizador esta se vá adaptando às suas necessidades" (sic). Continuando a sua ladainha, o mesmo arquitecto acrescentava que "é assim que defendendo ideologicamente esta tese que se apresenta este projecto de alterações, o qual vai ao encontro das necessidades do requerente, dando resposta imediata a todas as suas pretensões". Por absurdo que esta tese pareça, certo é que colheu os bons ofícios do Parque Natural da Arrábida e a obra foi legalizada.

Mesmo quando o Parque lhe apetece ser papista, o tiro sai-lhe pela culatra pelos pecados anteriores. Exemplo disso passou-se com Manuel Vilarinho, presidente do Benfica. Em 1990, depois de já ter conseguido autorização para construir uma vivenda com 384 metros quadrados – num processo algo nebuloso de reconstrução de antigas ruínas que tinham sido demolidas sem autorização –, o então empresário decidiu apresentar um outro projecto num terreno adjacente para alojar um seu empregado. O Parque, que anteriormente não tinha sido exigente na aprovação da outra vivenda, decidiu então recusar o novo projecto, alegando que o empregado deveria ficar na outra casa. Claro está que Vilarinho recorreu para o Tribunal Administrativo que lhe veria a dar razão em 1996 considerando que os pressupostos da recusa eram "obscuros". Acrescente-se aliás que nos arquivos dos processos de urbanização de Manuel Vilarinho nem sequer se consegue saber quais as áreas de construção pedidas e autorizadas para a segunda vivenda, nem tão-pouco autorização para os animais selvagens exóticos que tem nas suas propriedades.

Outro dos truques mais utilizados na Arrábida para conseguir generosas áreas de construção são as ruínas. Quantas mais, melhor. E se não houver até se podem construir; bastam uns calhaus amontoados. A portaria de 1980 bem que diz ser necessário provar a sua existência através do registo predial e que até era desejável demoli-las para melhorar a paisagem. Mas isso é um problema que facilmente se ultrapassa para benefício do proprietário. Veja-se o exemplo de uma vivenda em construção em Barris, em plena área rural da Arrábida no concelho de Palmela. Depois de várias alterações de projectos e de transmissão de propriedade está a ser construída uma vivenda com cerca de 750 metros quadrados, beneficiando de supostas ruínas existentes naquela propriedade. Acontece que a esmagadora maioria dessas ruínas e edifícios abandonados só aparecem no registo predial a partir de 1991, altura em que um averbamento refere que a propriedade tem dois armazéns de cereais e alfaias agrícolas, um palheiro com estábulo e duas casas da malta. Este simples acrescento – do qual não se fez qualquer verificação por parte dos serviços do Parque Natural, não só da área como da legalidade dessas supostas edificações antigas – deu assim um direito de construção de 534 metros quadrados! Para o advogado José Sá Fernandes, "a transformação de áreas destinadas a animais e apoio agrícola para área residencial é de duvidosa legalidade e, pelo menos, deveria merecer algum cuidado das entidades oficiais quando analisam e aprovam essas pretensões". "O Parque Natural da Arrábida deveria possuir um registo de todas as ruínas existentes, bem como as respectivas áreas, indicando quais as que poderiam vir a ser reconstruídas e para que fins", acrescenta.

As cedências das sucessivas direcções do Parque Natural da Arrábida para a obtenção fácil de áreas suplementares de construção tem tido como consequência um autêntico clima de impunidade. Qualquer proprietário que se preze apresenta sempre uma componente agrícola para obter área suplementar mesmo que nunca tenha sabido o que é uma enxada. Se depois um armazém de alfaias agrícolas se transforma num salão de convívio ou um celeiro se traveste de uma sala com lareira, nada lhe acontece. Aliás, não deixa de ser curioso que, na hora de assumir responsabilidades na fiscalização após a obtenção da licença de utilização, Ministério do Ambiente e autarquias tiram a água do capote. Ferreira de Almeida, secretário de Estado do Ordenamento do Território, em declarações escritas, diz que "não será porventura fácil controlar com total eficácia a utilização dessas construções, mas não parece que essa tarefa deva caber aos serviços do Ministério do Ambiente, pertencendo antes aos serviços municipais". Carlos de Sousa, actual presidente da autarquia de Setúbal – e que no anterior mandato liderou o município de Palmela – contesta essa competência. "A fiscalização dentro do Parque Natural cabe ao Ministério do Ambiente; se detectarem algum problema urbanístico avisam-nos para actuar". Contudo, curiosamente, Carlos de Sousa não soube informar que tipo de penalização pode sofrer um particular que transforme um armazém agrícola num salão para bailes. "Vou ver isso junto dos juristas da autarquia e depois digo-lhe", prometeu Carlos Sousa. Não voltou a ligar até ao fecho da edição. Para José Sá Fernandes "não existem dúvidas que caso haja um uso que não seja compatível pela licença camarária pode dar lugar à demolição caso, no extremo, não seja reposta a situação".

Mas num Parque Natural que não soube – ou não quis dizer – quantos processos de demolição foram intentados em tribunal contra construções ilegais, não se pode para já ter muitas esperanças. Após um pedido formal para se ter acesso aos processos de contra-ordenação levantados pelo Parque da Arrábida nos últimos três anos ter sido recusado por Celso Santos por alegado segredo de justiça, a Grande Reportagem pediu então a estatística completa das contra-ordenações relacionadas exclusivamente com urbanismo e dos processos de demolição iniciados desde a criação da área protegida. A resposta que veio é uma completa confusão, misturando processos levantados na Arrábida e no estuário do Sado – que são geridos pelo mesmo director – e situações de desrespeito de todo o tipo e apenas para os últimos dois anos. De qualquer modo, desde 1999 apenas formalmente existem três processos de contra-ordenação concluídos, sendo que as coimas não ultrapassam a centena e meia de contos. Por exemplo, um médico que construiu ilegalmente uma cave com 170 metros quadrados apanhou uma "choruda" multa de 40 contos.

O secretário de Estado Ferreira de Almeida promete agora mão-de-ferro para os infractores. "Às contra-ordenações acrescerão as ordens de reposição na situação anterior à infracção, o que implicará a demolição daquilo que tiver sido construído sem licença ou em desconformidade com a mesma e não for susceptível de legalização", garante o governante. E vai mesmo mais longe, acrescentando que mesmo as obras licenciadas incorrectamente pelo Parque Natural – como é evidente, por exemplo, no caso da recente construção na propriedade de Herman José – "não obsta à demolição se essa nulidade for declarada pelos tribunais ou pela Administração Pública". Veremos se pela boca morre o peixe. Em todo o caso, estas promessas subentendem um propósito activo por parte do Governo ou do Ministério Público, algo que raramente ocorre em Portugal. Até agora, convenhamos, a lentidão tem sido exasperante. Por exemplo, uma situação de construção ilegal detectada na Quinta da Ravina, na zona rural de Picheleiros, no início de 1999 ainda não teve qualquer consequência. No processo consta variada troca de cartas e uma última comunicação de Julho deste ano da autarquia de Setúbal á direcção do Parque informando que "se encontra em curso um processo de notificação ao proprietário" com vista à demolição da construção. Ou seja, três anos e meio depois da detecção da ilegalidade ainda nem se conseguiu notificar um proprietário de uma vivenda que está à beira da estrada! Veja-se, aliás, que em todo o Parque Natural apenas quatro vivendas foram alvo de decisões judiciais de demolição em processos que se arrastaram mais de 20 anos. "Em muitos casos, as autarquias ou mesmo o Instituto de Conservação da Natureza poderiam proceder a demolições em caso de violações graves, evitando a morosidade processual e o facto consumado", salienta José Sá Fernandes.

Agora que no último ano a direcção do Parque decidiu acordar de um suspeito marasmo, procedendo a vistorias e acções de contra-ordenação, os tribunais podem vir a decretar a nulidade de todas estas decisões. Com efeito, em mais um dos cada vez mais suspeitos imbróglios jurídicos de que o país é farto em matérias de ordenamento urbanístico, o Parque Natural da Arrábida não existiu de facto durante quase um ano. Em 1993 saiu uma lei que determinava a reclassificação das áreas protegidas do país, prevendo-se aí que se deveria redefinir os seus limites geográficos e estipular um prazo para a conclusão de um plano de ordenamento. Caso esta premissa não fosse cumprida, a lei era muito clara: “a classificação caduca pelo não cumprimento do prazo”. Ora, como o decreto que regulamentou a reclassificação do Parque Natural da Arrábida, publicado em 14 de Outubro de 1998, exigia que o plano de ordenamento deveria estar pronto em três anos, significou que em finais de 2001 a Arrábida deixou de ser Parque Natural pela lei portuguesa. No início deste mês o Governo decidiu fazer sair um decreto-lei concedendo uma prorrogação do prazo para a elaboração dos planos e com efeitos retroactivos, o que para actos praticados poucas vezes é reconhecido em conflitos judiciais.

Neste momento, o Ministério do Ambiente prepara-se para apresentar a consulta pública o plano de ordenamento para a Arrábida. Muito conflito e muita tinta correrá entretanto até à sua aprovação, sobretudo pelos escândalos de uma gestão irresponsável ao longo dos anos. Ferreira de Almeida diz que apenas serão feitos alguns acertos nos perímetros urbanos e que vai-se ser mais exigentes nos projectos urbanísticos em zonas rurais, nomeadamente apenas autorizando construções em propriedades com mais de 2,5 hectares. Carlos Sousa também é de opinião de que deve-se ser mais restritivo, mas permitindo, sob rígidas regras, autorizações especiais para a população local. E a grande novidade será o alargamento do Parque para a zona do Cabo Espichel e Meco. Contudo, estas medidas apenas serão paliativos para uma área protegida descaracterizada. As feridas de anos de desleixo e incúria nunca serão apagadas e a especulação continuará a ser Rainha e Senhora na serra da Arrábida. Afinal, se o Estado coloca à venda o posto da guarda fiscal no Portinho da Arrábida, com uma área de 100 metros quadrados, tendo como base de licitação 350 mil euros, o que poderemos esperar para o futuro?


Caixa 1 - Os 9 Mandamentos do Parque Natural da Arrábida

Para se ter um lugar no Paraíso, Deus exigiu o cumprimento de 10 Mandamentos. Em Portugal, numa área protegida como é o Parque Natural da Arrábida, para ter uma vivenda num paraíso na Terra é necessário apenas seguir nove.

Investirás teu dinheiro na obra de Deus

Desde que o Parque Natural da Arrábida (PNA) foi criado em 1976, os perímetros urbanos foram aumentando de forma explosiva e as áreas rurais adquiridas por citadinos. A área protegida mais não fez do que disparar a especulação imobiliária para valores exorbitantes. Aquilo que a Natureza manteve inviolável durante milhões de anos está em intensificada destruição nas últimas décadas.

Transformarás ruínas em palácios

Com o abandono da pequena agricultura e face à pobreza da maioria dos solos, as pequenas habitações e anexos da lavoura em ruínas são agora muito cobiçados. O regulamento do PNA recomendava que fossem demolidas para preservação da paisagem. Mas acabaram por funcionar como expediente para a obtenção de índices de construção para as novas vivendas, mesmo quando essas ruínas apenas foram antigos estábulos ou locais para guardar ferramentas agrícolas.

Corrigirás os erros humanos do passado

Para reivindicar áreas de construção, os proprietários de terrenos com ruínas ou edifícios antigos têm que fazer prova das pré-existências inscritas no registo predial. Em muitos casos são feitos, contudo, averbamentos nos registos poucos anos antes do pedido de construção das novas vivendas. Como não existe qualquer cadastro dessas ruínas e o PNA não faz medições das áreas, nem confronta essas reivindicações com fotografias aéreas antigas, essas alterações podem, em muitos casos, ser fictícias.

Dedicarás teus esforços à produção da terra

O regulamento do PNA apenas impõe limites de construção para a chamada “área patronal”, ou seja, área de residência para o proprietário. Por isso, grande parte dos projectos de construção apresentam generosas áreas afectas a apoios para a agricultura, mesmo que não exista condições técnicas para a viabilidade desta actividade. Em muitos casos, essas áreas estão acopladas à vivenda, não existindo diferenças arquitectónicas entre essas duas zonas. Não existe qualquer penalidade, caso a agricultura nunca avance ou for entretanto abandonada.

Serás um patrão generoso

Como no regulamento do PNA não existe limite de construção para alojamento dos eventuais trabalhadores rurais, verifica-se em muitos projectos a existência de áreas bastante significativas para esses fins, também sem qualquer separação física ou diferença arquitectónica em relação à parte patronal. No fim da construção ficará ao critério do proprietário destinar ou não essas zona edificada para os seus empregados. Se é que os tem.

Tratarás os animais como teus irmãos

Celeiros, adegas e armazéns para alfaias agrícolas são construções frequentes em muitos projectos de vivendas, cuja arquitectura e materiais de construção nada diferem da parte habitacional. Já foram detectados celeiros com lareira e chaminé, noutros casos armazéns de maquinaria agrícola apenas equipados com portas normais de habitação.

Não vacilarás face aos limites impostos pelo Homem

Mesmo com um regulamento condescendente, muitos tentam com sucesso construir para além do autorizado, aproveitando-se da fraquezas da fiscalização que durante vários anos grassaram no PNA. Quando são apanhados, os embargos são sempre temporários e mesmo que tal aconteça os responsáveis não têm escrúpulos de se tornarem reincidentes. As poucas coimas até agora aplicadas são irrisórias. O risco compensa, tal como o crime.

Confiarás na benevolência humana

A resposta mais habitual das sucessivas comissões directivas aos pedidos de construção em meio rural do PNA tem sido um “nada há a opor ao deferimento da pretensão”, mesmo quando são evidentes os truques. A situação mais absurda encontra-se na aprovação de habitações em áreas de Reserva Ecológica Nacional. Ou seja, muitas vivendas não seriam autorizadas caso não existisse uma área com estatuto legal de protecção. Mas há claramente negligência – para não dizer mais – na análise de muitos projectos.

Só temerarás a Justiça de Deus

Ao longo dos 26 anos de existência do PNA, os tribunais apenas decretaram demolições para quatro vivendas, em processos que se arrastaram mais de duas décadas. Mesmo vivendas com vários embargos e proprietários reincidentes nas violações das normas legais não tiveram problemas, até agora, em edificar as suas casas. O clima de impunidade é evidente nesta área protegida.

segunda-feira, março 01, 2004

Nota: Interdita a reprodução sem autorização do autor. Os textos não estão editados. Poderão existir diferenças entre estes textos e aqueles que foram publicados no jornal

CONSTRUÇÃO PODE AVANÇAR EM RESERVAS ECOLÓGICAS – Diário de Notícias, 1 de Março de 2004 – texto corrigido e não editado

O Ministério do Ambiente pode vir a autorizar construções em áreas de Reserva Ecológica (REN) e Agrícola Nacional (RAN), caso aceite as proposta do relator de uma comissão para reformular as normas legais, criada ainda no tempo de Isaltino de Morais. Esta situação, a ocorrer, viabilizará cerca de duas dezenas de projectos turísticos, sobretudo no Algarve, e a proliferação de vivendas em zonas rurais. Especialistas em planeamento e ambientalistas consideram estar-se face a uma tentativa de “Golpe de Estado Ambiental” com o objectivo de criar especulação imobiliária em áreas sensíveis.

De acordo com o relatório da autoria de Sidónio Pardal, professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA), os regime da REN e da RAN – criados no início dos anos 80 pelo então ministro da Qualidade de Vida, Ribeiro Telles – “não tiveram qualquer eficácia na salvaguarda dos recursos naturais”. Ao invés, acrescenta, a REN “”teve como efeito lateral o abandono do território”, apontando mesmo que o desordenamento territorial e a degradação ambiental pioraram após a criação destes diplomas legais. Ao longo das 64 páginas deste relatório, Sidónio Pardal propõe que as autarquias passem a aprovar as cartas da REN e da RAN – até agora da responsabilidade do Governo – e que haja maior flexibilização nos casos de projectos de habitação. Por exemplo, Sidónio Pardal considera que é aceitável que os agricultores possam construir, nestas áreas, moradias de um ou dois pisos com uma área de 300 metros quadrados.

“O relatório de Sidónio Pardal é um disparate pegado”, salienta Ribeiro Telles, considerando que “a filosofia da REN e da RAN é garantir áreas-tampão com uma lógica de assegurar protecção, não apenas ambiental, mas segurança das populações, nomeadamente quando proíbe construções em leito de cheia ou junto a falésias”. Nesta mesma linha, Delgado Domingos, coordenador do curso de Engenharia do Ambiente do Instituto Superior Técnico, salienta que “quando se proíbem construções em áreas de REN é exactamente para evitar que os deslizamentos de terra e as inundações provocaram estragos e perdas de vidas humanas”.

Manuela Raposo de Magalhães, professora de ordenamento do ISA, também critica o relatório – já entregue ao gabinete de Amílcar Theias e estando a receber pareceres de várias entidades –, pela sua concepção completamente desactualizada do ordenamento. “Um solo por não ter circunstancialmente um determinado uso, não significa que seja desanexada; constitui uma reserva para o país”.

Por outro lado, José Manuel Alho, presidente da Liga para a Protecção da Natureza, considera que a entrega da definição das áreas de REN e RAN às autarquias será «um escancarar das portas à especulação, que passarão a fazer aprovações casuísticas”. “As cartas da REN passarão a ser alteradas numa lógica bairrista”. Com efeito, nos últimos anos têm-se acumulado processos – alguns em investigação pelo IGAT e Ministério Público – de autarquias que autorizaram construções em áreas de REN. Manual Raposo Magalhães aponta mesmo a situação da autarquia de Vila Franca de Xira que “pretende construir, em zona de REN, junto ao Tejo, ainda por cima com apoios comunitários de reabilitação de áreas ribeirinhas”. Também no litoral, alguns projectos actualmente a serem analisados pelo Centro de Apoio ao Licenciamento de Projectos Turísticos Estruturantes, já foram “chumbados” em anos anteriores por se localizarem em áreas de REN. Situação que se alterará se o Governo decidir mesmo flexibilizar as actualizar normas legais.


Caixa 1Porto e Lisboa são excepções

Porto e Lisboa são os únicos concelhos do país autorizados pelo Governo a não cumprirem as normas legais que impedem a construção em zonas de Reserva Ecológica Nacional (REN). Como a actual legislação isenta os perímetros urbanos de cumprirem as normas da REN, a autarquia portuense considerou, no seu plano director municipal, que a totalidade do seu território era zona edificável. No caso da capital, a autarquia chegou a elaborar uma carta de REN, mas como não tem força legal – por não ter sido ratificada pelo Governo – podem haver, por exemplo, construções em leito de cheia ou ocupações como as que estão previstas para o Parque Florestal de Monsanto. “Muitos casos de inundação não ocorreriam em Lisboa e Porto se se aplicasse o regime da REN”, considera Manuela Raposo Magalhães.
Outra situação de excepção ocorre nos Parques e Reservas Naturais. E com péssimos resultados. Como, em princípio, os planos de ordenamento das áreas protegidas deveriam salvaguardar as áreas sujeitas ao regime da REN, optou-se por não estabelecer normas redundantes. Contudo, como muitos planos de ordenamento se atrasaram, acabou por ser mais fácil construir nas áreas protegidas do que no exterior.

Aliás, a proposta de alteração do regime da REN e RAN apresentada ao Ministério do Ambiente de permitir construção de vivendas de 300 metros quadrados aos agricultores podem implicar a ampliação a todos o território dos casos ocorridos na serra da Arrábida. Nesta área protegida, o plano permite construções de casas e de estruturas de apoio para os agricultores em zonas sensíveis. Mas como não houve fiscalização, muitas vivendas acabaram por ser feitas apenas para os fins-de-semana e os armazéns transformaram-se em áreas de habitação.

Por exemplo, em inúmeras situações, projectos que incluíam armazéns de máquinas agrícolas ou palheiros não se distinguem da vivenda que está acoplada, tendo mesmo chaminés, janelas e portas normais. Face a isto, há cerca de um ano e meio, o Ministério do Ambiente anunciou uma inspecção à gestão do Parque Natural da Arrábida, mas ainda não houve quaisquer resultados. “Caso o Ministério do Ambiente aprove a proposta de Sidónio Pardal, o que vai acontecer é a construção de vivendas em meio rural, para os fins-de-semana, com prejuízo para o ambiente e sem vantagens para a economia local”, salienta José Manuel Alho.



Caixa 2 – Lei proíbe construção em reserva

Criada em 1983, a Reserva Ecológica Nacional engloba zonas declivosas, de infiltração de águas, do litoral (praias, dunas, falésias e arribas), de leitos de cheia e outras áreas sensíveis. Nas áreas de REN estão proibidas urbanizações e outros edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal. Essas operações apenas são permitidas, excepcionalmente, se a Comissão Nacional da REN considerar que não irão “prejudicar o equilíbrio ecológico daquelas áreas” ou que haja “reconhecido interesse público, nacional, regional ou local”, desde que seja demonstrado não existir alternativa económica aceitável. As iniciativas florestais e de defesa nacional estão isentas destas normas.

No caso da Reserva Agrícola Nacional, criada em 1982, abrange os solos de classe A e B e áreas de vale ou outros com bom potencial agrícola. Nestes casos, a legislação é mais permissiva para a construção, mesmo de habitações, e equipamentos de apoio agrícola, mas tem de ser provado que “não existam alternativas válidas de localização em solos não incluídos na RAN”.

Em áreas urbanas e de expansão urbanística, os regimes da REN e da RAN não são aplicáveis.