REPORTAGENS AMBIENTAIS

ESTRAGO DA NAÇÃO

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Artigo (não editado) publicado na edição de 26 de Janeiro de 2008 na revista Notícias Sábado


Silenciosa, invisível, inodora e... letal. Porventura, será por causa destas características e a radioactividade suscita tantos medos e tamanhos cuidados. E está agora, mais uma vez, na ordem do dia das preocupações das autoridades internacionais. A culpa, sabe-se, é dos terroristas, que se «inovaram», já não ameaçam apenas com explosivos. Já não basta que receemos uma guerra atómica – risco sempre omnipresente com a proliferação de armas nucleares em alguns países particularmente belicosos. Nem tão-pouco temos apenas de temer a repetição de catástrofes humanas e ambientais como a que aconteceu há cerca de duas décadas em Chernobyl, na Ucrânia. A ameaça paira por aí, e quase se pode dizer ao virar da esquina.

Mesmo países como Portugal, que optaram por prescindir de centrais nucleares para a produção de electricidade, não podem dormir descansados. A vizinha Espanha tem, actualmente, quase uma dezena destas centrais em funcionamento, uma das quais (Almaraz, que produz 9% da energia eléctrica daquele país), muito próxima da fronteira portuguesa, em Cáceres. E, além disso, em Sacavém está instalado um reactor nuclear para investigação. Acresce a isto as reservas de urânio, armazenadas na Urgeiriça. Porém, não se julgue que acabam aqui os riscos de exposição de radiações ionizantes. Na verdade, uma quantidade muito significativa de materiais emissores de radiações é usada comummente em terapias médicas, sobretudo em tratamentos oncológicos e radiológicos, mas também na indústria – especialmente na metalomecânica e siderurgia, bem como na prospecção petrolífera –, na irradiação de alimentos e mesmo em edifícios, designadamente em sistemas de detecção de incêndios. Em tempos, chegou-se até a usar material radioactivo nos pára-raios.

Por esses motivos, face aos incidentes e acidentes que já ocorreram um pouco por todo o Mundo (ver caixa), a vigilância e monitorização destes equipamentos constitui uma das tarefas fundamentais das várias entidades oficiais. No caso dos instrumentos médicos que usam radiações, essa tarefa cabe ao Ministério da Saúde – que tem como tarefa fiscalizar a calibração para evitar sobredosagens, enquanto todos os restantes equipamentos caem na alçada do Instituto Tecnológico e Nuclear. «As empresas, algumas milhares, que necessitam destes equipamentos pedem-nos uma licença que fica registada, entregando-nos a fonte emissora já usada, que armazenamos nas nossas instalações», refere Montalvão e Silva, responsável máximo desta entidade, que tem também a gestão o reactor de investigação de Sacavém.

Mas como o seguro morreu de velho, o Instituto Tecnológico e Nuclear tem também montado um sistema de rasteio em todo o país. «Realizamos todos os anos um conjunto vasto de análises ao ar, à água, aos peixes, às plantas e aos alimentos em vários pontos do país», diz Montalvão e Silva, garantindo que «os valores de radiação são muito baixos, típicos de países sem centrais nucleares»

Em paralelo a este sistema de controlo, o Gabinete de Emergências e Riscos Ambientais da Agência Portuguesa do Ambiente tem também em funcionamento uma rede de monitorização com estações fixas nas diversas regiões do país (Bragança, Porto, Penhas Douradas, Coimbra, Castelo Branco, Portalegre, Elvas, Beja, Lisboa, Sines, Faro, Ponta Delgada e Funchal). «A função desta rede é sobretudo detectar valores anómalos em contínuo, 24 horas por dia, de modo a se poder accionar de imediato as entidades responsáveis pela protecção civil», salienta Maria do Carmo Palma, chefe de divisão deste gabinete tutelado pelo Ministério do Ambiente.

No entanto, estas precauções podem não ser suficientes para enfrentar as novas e perigosas ameaças que pairam sobre os países do Ocidente. Há cerca de dois anos, Gregory Schulte, embaixador norte-americano junto da Agência Internacional de Energia Atómica alertava para as sucessivas tentativas de grupos terroristas em adquirirem materiais radioactivos para a produção de engenhos, salientando que alguns deles tinham conhecimentos científicos e de engenharia para os conseguir produzir.

E, de facto, somente no período desde os anos 90 do século passado registaram-se mais de duas dezenas de incidentes envolvendo tráfico de plutónio, urânio enriquecido ou outros produtos radioactivos apenas nos países que integram a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Alguns deles foram abortados, mas casos houve que nunca se soube do paradeiro desse material. E não se pense que esses roubos ou tráficos foram perpetrados apenas nos países da antiga União Soviética.

Por exemplo, em Março de 1998 foram roubados 19 tubos de césio radioactivo de um hospital norte-americano da Carolina do Norte que jamais apareceram. E ainda há cerca de dois anos foi preso um norte-americano que roubara um conjunto de detectores de incêndio com material radioactivo, que poderia ser suficiente para produzir uma «bomba suja» - ou seja, constituída por um explosivo convencional envolto em material radioactivo, que poderia contaminar uma cidade de média dimensão. «Este é um perigo bem real para o mundo ocidental», salienta Delgado Domingos, professor jubilado do Instituto Superior Técnico.

A possibilidade de ataques terroristas com materiais radioactivos é agora talvez maior do que a de um acidente numa central nuclear. Quem é diz é a Union of Concerned Scientists – uma organização não governamental criada no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e que congrega cerca de 20 mil cientistas e cidadãos – que refere que «de todas as ameaças de terrorismo contra os Estados Unidos e o Mundo, talvez a mais grave será a possibilidade de terroristas construírem ou obterem armas nucleares e detonarem-na numa cidade» acrescentando que «se se conseguir explodir apenas uma dessas bombas, centenas de milhares de pessoas podem morrer». Esta organização é particularmente crítica da forma como se olha para este problema no Mundo Ocidental, afirmando mesmo que, pior ainda, «e prosseguem políticas que aumentam o risco dos terroristas adquirirem armamento nuclear». Aliás, em teoria, material não lhes falta, sabendo-se que são suficientes apenas quatro quilogramas de plutónio para produzir uma bomba nuclear.

De acordo com a Union of Concerned Scientists existem mais de 230 toneladas métricas de plutónio – um «resíduo» radioactivo que resulta da fissão do urânio nas centrais nucleares – apenas na Bélgica, França, Alemanha, Índia, Japão, Reino Unido e Rússia. Além disso, são conhecidos os problemas de falta de segurança no armazenamento deste material sobretudo neste último país. E mesmo em países como a França, Japão e Estados Unidos, segundo a Union of Concerned Scientists, «as medidas de segurança contra roubos são provavelmente inadequados para protecção contra as ameaças terroristas contemporâneas».

Mas não é apenas o plutónio que merece especial preocupação. O envenenamento por polónio-231 do antigo agente da KGB, Alexander Litvinenko, em Novembro de 2006, na capital do Reino Unido – e que está longe de ter sido inédito –, veio apenas confirmar que os materiais radioactivos podem mesmo vir a ser uma arma de extermínio selectivo. Ainda mais no caso do polónio que, devido às suas características, não é detectável pelos habituais sistemas dos aeroportos, podendo assim ser mais facilmente transportado.

Por estes motivos, «as questões da protecção radiológica devem ser dinâmicas, não apenas circunscreverem-se ao que está previsto na legislação mas sim acompanhar os novos tempos», advoga João Quintela de Brito, presidente Sociedade Portuguesa de Protecção Contra Radiações, destacando a necessidade de um controlo mais apertado das pessoas que possam ter acesso aos materiais radioactivos. «Quando estive em funções na antiga Junta de Energia Nuclear tinha esta preocupação. Consideravam isso uma chatice, mas agora sabe-se que esse tipo de controlo é fundamental», refere este especialista agora reformado, que lamenta a falta de divulgação destas questões junto opinião pública.

Perante estes cenários, que risco corre Portugal perante um eventual atentado terrorista envolvendo material radioactivo. No caso do reactor de investigação de Sacavém – que é um ponto nevrálgico –, Montalvão e Silva, presidente do Instituto Tecnológico e Nuclear, garante que «existem condições de segurança mais que suficientes». «Além de vigilância privada, há também o policiamento da PSP e o acesso ao reactor é praticamente impossível para um estranho», salienta.

Mas em relação aos assaltos a locais que detenham material radioactivo – como hospitais, clínicas ou indústrias –, aparentemente as coisas não são assim tão lineares. «A sorte de Portugal é sermos um povo pacífico, não muito desenvolvido e que, portanto, não chama muito a atenção dos grupos terroristas», salienta Delgado Domingos. «Caso contrário, teríamos de reforçar muito as medidas de segurança para evitar roubos de material radioactivo», acrescenta. Esperemos que assim seja.


OS 10 MAIS MORTÍFEROS ACIDENTES EM TEMPO DE PAZ

As bombas atómicas norte-americanas, lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima a Nagasaki em Agosto de 1945, no apogeu da II Guerra Mundial, que mataram mais de 200 mil pessoas, são hoje o paradigma da destruição causada pela radioactividade. Mas desde o início do século XX sucedem-se incidentes, acidentes, actos negligentes e criminosos envolvendo materiais ionizantes.

De acordo com uma base de dados elaborada por Robert Johnston, investigador da Universidade do Texas, excluindo a mortandade das bombas nucleares da II Guerra Mundial, contabilizam-se 383 ocorrências graves a nível mundial desde o início do século XX, que causaram 236 mortos e 1475 feridos graves. A região mundial com maior incidência é a Europa do Leste. Enquanto existiu a União Soviética somaram-se 168 casos, mas depois do desmantelamento desta federação os problemas até recrudesceram. Só na Rússia, desde 1990, verificaram-se mais 28 situações graves com um saldo de 10 mortos e 37 feridos. Mas também o Ocidente não esteve livre deste tipo de situações. A França registou nove casos e o Reino Unido 12, enquanto os Estados Unidos tiveram 53. Neste último país, o saldo global cifrou-se em 42 mortos e 298 afectados.

As causas destes problemas são muito diversas, mas ao contrário daquilo que se pode julgar os acidentes envolvendo centrais ou reactores nucleares nem são a maioria. Na verdade, grande parte dos casos envolveram material radioactivo usado para fins médicos, quer por uso indevido quer por exposição de pessoas em situações de abandono ou roubo. Mas também estão reportados quase três dezenas de actos criminosos envolvendo material radioactivo, dos quais um pouco mais de metade consistiram em roubos, havendo também casos de homicídio, ou tentativa, e até de suicídios.

4 de Julho de 1961 – Acidente no submarino nuclear soviético K-19

Devido a uma avaria no sistema de arrefecimento, a tripulação deste submarino foi obrigada a improvisar uma alternativa, mas ficou exposta a doses elevadas de radioactividade. Oito tripulantes morreram em menos de 20 dias e 31 foram hospitalizados com gravidade. Dois dos reactores deste submarino foram depois submersos no Mar de Kara, a norte da Sibéria.

Março de 1962 – Contaminação por cobalto na cidade do México

Um rapaz de 10 anos encontrou abandonada uma fonte radioactiva de cobalto uado para radiografia industrial tendo-a levada para sua casa. Em resultado, quatro membros dessa família morreram no espaço de menos meio ano.

24 de Maio de 1968 – Acidente no submarino nuclear soviético K-27

No decurso de exercícios navais, o sistema de arrefecimento do submarino nuclear entrou em colapso, provocando a fusão parcial do reactor. A exposição às radiações dos tripulantes causou nove mortos e afectou outros 83. O submarino seria posteriormente afundado na baía de Stepovogo.

1974-1976 – Acidente com cobalto em Columbus (Estados Unidos)

Durante um período de 22 meses, um erro na calibração da teleterapia usando cobalto radioactivo causou uma gradual sobredosagem nos pacientes. O médico responsável falsificou documentos para esconder esta anomalia e uma subsequente investigação apurou que dos 426 pacientes tratados nos 16 meses anteriores à identificação do problema, cerca de 300 tinham morrido. No entanto, oficialmente, apenas foram reportadas 10 mortes e 78 pessoas gravemente afectadas.

Março de 1984 – Contaminação por irídio em Casablanca (Marrocos)

Uma unidade industrial perdida, contendo irídio radioactivo, foi levada para casa por um agricultor marroquino e colocada numa mesa do quarto da família durante semanas. A exposição à radiação causou a morte de oitos pessoas, incluindo quatro crianças. Outras três pessoas foram gravemente afectadas.

26 de Abril de 1986 – Acidente na central nuclear de Chernobyl (Ucrânia)

Foi o mais grave desastre ocorrido numa central nuclear. Durante testes de segurança, um dos reactores explodiu, seguindo-se uma segunda explosão. O incêndio apenas seria extinto duas semanas depois, tendo sido libertada uma nuvem radioactiva que afectou sobretudo as cidades de Prypyat (com cerca de 45 mil habitantes) e de Chernobyl (12,5 mil habitantes), mas que foi detectada por toda a Europa. Foram reportadas 31 mortes directas nas primeiras semanas após o acidente e pelo menos 238 pessoas sofreram afecções graves sobretudo ao nível da tiróide.

Setembro de 1987 – Acidente com césio em Goiânia (Brasil)

Um contentor de aço foi roubado de uma antiga clínica por dois brasileiros que o venderam a um ferro-velho. Desconhecendo ser uma unidade de radioterapia contendo sais de césio, retiraram antes as cápsulas radioactivas, levando-as para casa. Os sais dessa cápsula foram expostos a um elevado número de pessoas devido atraídos pela sua luminosidade azul. Em resultado disto, 129 pessoas foram contaminadas, cinco morreram e 20 necessitaram de hospitalização.

Dezembro de 1990 – Acidente com raios X em Saragoça (Espanha)

Um erro na manutenção e calibração de um aparelho de radioterapia da Clínica Universitária de Saragoça, combinado com violações de procedimentos clínicos, fizeram com que 27 pacientes em tratamento oncológico sofressem uma sobredosagem de entre 200% e 700% acima do recomendável. Até Março de 1991 tinham já morrido, devido a esta situação, 10 doentes, um número que aumentaria para 18 nos meses seguintes. Outras nove pessoas ficaram gravemente afectadas pelas radiações.

Agosto-Setembro de 1996 – Acidente com cobalto em San Jose, Costa Rica

Mais um erro de calibração, de um equipamento de radioterapia com cobalto, desta feita resultando numa sobredosagem de cerca de 60% nos pacientes oncológicos. Entre sete e 17 doentes, conforme as fontes, morreram directamente por via desta sobredosagem e outros 81 registaram efeitos catastróficos na sua saúde.

Agosto de 2000-Março de 2001 – Instituto Oncológico de Panamá (Panamá)

Uma modificação errada do sistema computadorizado de tratamento por radioterapia do principal hospital oncológico do Panamá levou a que, durante mais de meio ano, os pacientes ficassem sujeitos a sobredosagem de radioactividade. Em resultado desta anomalia, faleceram 17 pessoas e outras 11 sofreram danos graves.

sábado, janeiro 19, 2008

Entrevista (não editada) a Silvino Pompeu dos Santos, investigador-coordenador do LNEC, publicada na revista Notícias Sábado na edição de 19 de Janeiro de 2008

«Novo aeroporto deve ir para o Pinhal Novo»


Embora seja um dos maiores especialistas do Laboratório Nacional de Engenharia Civil em estruturas e de planeamento de obras públicas, Silvino Pompeu dos Santos não integrou o grupo de trabalho daquela entidade que foi incumbido de comparar a Ota e Alcochete para a escolha do futuro aeroporto de Lisboa. Não se importou com esse «esquecimento» e optou por elaborar um plano integrado que enviou ao Ministro das Obras Públicas. Uma das suas propostas foi até acolhida pelo Governo quando anunciou a mudança do aeroporto para o Campo de Tiro de Alcochete: a construção da ponte Chelas-Barreiro com rodovia, linha de TGV e de comboio convencional. Mas espera ainda que seja «afinada» a localização do aeroporto para a zona de Pinhal Novo, sobretudo por razões económicas e de melhor articulação com a rede de transportes.

P – Surpreendeu-o a decisão do Governo de mudar a localização do futuro aeroporto de Lisboa, abandonando definitivamente o projecto para a Ota?

R – Não me surpreendeu muito. Talvez um pouco por o Governo ter assumido e defendido com muita força durante muito tempo a opção Ota, mas acabou por perceber que seria melhor arrepiar caminho perante o coro de críticas que se foi avolumando.

P – O Governo teve então de engolir o sapo…

R – Eu não diria que teve de engolir um sapo, tanto mais que a opção Ota era de um Executivo socialista mas não do actual Governo. E este Governo teve a humildade de reconhecer que a Ota não era a solução mais conveniente.

P – E a escolha dos terrenos do Campo de Tiro de Alcochete é, na sua opinião, a mais conveniente?

R – É uma solução melhor do que a Ota, mas não é a solução certa como localização para o futuro aeroporto. Fiz um estudo, a título pessoal, que enviei para o ministro das Obras Públicas – e que depois o endereçou ao grupo de trabalho coordenado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) – em que preconizava a localização na zona de Pinhal Novo, junto à auto-estrada A12. Esta proposta que defendo faz parte de um plano integrado de transportes para a Área Metropolitana de Lisboa que tem em conta a terceira travessia do Tejo, no corredor Chelas-Barreiro, e a rede de alta velocidade (TGV). Essa zona do Pinhal Novo fica mais perto de Lisboa (25 quilómetros contra mais de 35 quilómetros na opção do Campo de Tiro de Alcochete) e com a vantagem de estar exactamente no enfiamento da saída da futura ponte Chelas-Barreiro.

P – Isso evitaria, portanto, um desvio da linha do TGV relativamente ao que está projectado…

R – Sim. Aliás, é estranho que o Governo tenha acabado por decidir avançar com a terceira travessia do Tejo, que terá a linha do TGV, e depois obrigar a um desvio para nordeste de mais 10 ou 12 quilómetros para apanhar o futuro aeroporto se for construído na zona do Campo de Tiro de Alcochete. Não é preciso, já que a zona de Pinhal Novo tem condições para se construir o aeroporto.

P – Fez alguma estimativa económica relativamente à opção Pinhal Novo?

R – Fiz uma comparação com Ota que apontava para uma poupança da ordem dos 3 mil milhões de euros, dos quais metade respeitante aos custos do aeroporto e a outra por ser dispensável a entrada do TGV pelo norte de Lisboa. Em relação à opção Alcochete é mais complexo de se fazer, porque o plano proposto pela Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), no caso das acessibilidades, é diferente daquilo que foi aprovado no Governo. A CIP sugeria uma travessia fluvial Poço do Bispo-Montijo e duas derivações, uma para o Barreiro e outra para o aeroporto, que era uma solução tecnicamente muito complexa e com impactes ambientais muito significativos por atravessar zonas de conservação da natureza.

P – A alternativa no Pinhal Novo, que defende, fica muito próxima, um pouco mais a norte, da opção Rio Frio, que perdeu contra a Ota quando em 1988 se fizeram estudos comparativos, devido aos impactes ambientais. Nessa zona do Pinhal Novo os impactes não são importantes?

R – Em primeiro lugar é preciso dizer que Rio Frio não perdeu por razões ambientais. O que houve em 1999 foi uma decisão política. O estudo preliminar de impacte ambiental não apresentou nenhuma razão impeditiva de um aeroporto naquela zona. Depois, estamos a falar de uma zona ampla, entre a A12 e o Poceirão, que tem cerca de 10 mil hectares, com áreas de características diferenciadas, umas com montado, outras com minifúndio. É certo que existem ali impactes ambientais nos montados de sobro, no aquífero, de alterações do meio físico, mas são impactes que também existem na zona do Campo de Tiro de Alcochete. E mesmo na Ota também existiam impactes. Para mim, a questão essencial é saber se os impactes previstos colidem com alguma legislação ou regime de protecção ambiental de carácter nacional e comunitário que sejam impeditivos da localização do aeroporto. Se não existem, então há que definir e adoptar medidas de mitigação que terão um custo financeiro que deve ser incorporado no custo global da obra. Esta, aliás, parece ter sido a estratégia do grupo de trabalho nomeado pelo Governo.

P – Não teria feito mais sentido que se tivessem estudado mais localizações na Margem Sul em redor do Campo de Tiro, incluindo também a zona de Pinhal Novo?

R – Por aquilo que sei, o grupo de trabalho coordenado pelo LNEC foi incumbido de comparar apenas duas localizações específicas: Ota e a zona do Campo de Tiro de Alcochete, local sugerido pela CIP. Mas acaba por ser interessante que no relatório do grupo de trabalho seja recomendado deslocar o aeroporto o mais possível para sudoeste, por razões de sustentabilidade do sistema de transportes, de economia e de consumos energético. Em certa medida, vai ao encontro da minha proposta de o aeroporto se localizar na zona do Pinhal Novo.

P – O primeiro-ministro foi taxativo ao afirmar a escolha do Campo de Tiro de Alcochete para o futuro aeroporto. Espera que haja ainda uma rectificação?

R – O Governo anunciou que vai decorrer agora uma consulta pública. Logo veremos se acatará a recomendação do grupo de trabalho e a minha proposta. Tal como mostrou abertura para estudar uma alternativa à Ota, penso que está em condições de afinar – que é disso que se trata – a localização na Margem Sul. Tanto mais que é importante salientar que a localização do aeroporto no sítio agora anunciado implicará também a transferência das actividades militares do Campo de Tiro de Alcochete – fala-se em levá-lo para o Alentejo – e a desactivação da pista da Base Aérea do Montijo. Para além das outras questões que referi, são duas consequências com custos adicionais muito fortes. Mas se for escolhida a zona de Pinhal Novo para o futuro aeroporto pode-se manter as actividades quer o Campo de Tiro de Alcochete quer a Base Aérea do Montijo, pois são compatíveis.

P – Questões que não foram equacionados pelo grupo de trabalho do LNEC, que estava condicionado ao que lhe foi pedido pelo Governo…

R – O grupo de trabalho tinha os seus termos de referência e terá feito o melhor trabalho possível. Não lhe pediram a integração de planos. E eu julgo que a questão do aeroporto deve estar associado a um plano mais vasto. Em várias intervenções públicas ao longo dos últimos anos sempre defendi que, em relação ao aeroporto, não se deveria comparar apenas sítios, mas sim planos integrados que tenham em conta não só o aeroporto, como a rede do TGV e as respectivas acessibilidades, porque só assim se consegue encontrar uma solução mais eficiente e com economias de escala. Em 1999 só se estava a discutir a localização do aeroporto, enquanto que agora temos também a rede de alta velocidade e as acessibilidades. Temos agora a felicidade de podermos planear em conjunto. Não está em causa quando vamos implantar os projectos, quando vão ser construídos, mas sim a necessidade do seu planeamento conjunto.

P – Tendo em consideração que é um investigador-coordenador do LNEC, um prestigiado especialista internacional em estruturas e já tinha tomado publicamente posições sobre o aeroporto, qual foi a razão para não integrar o grupo de trabalho do LNEC indigitado pelo Governo?

R – Não sei. Terá de perguntar à direcção do LNEC. Ela é que decidiu escolher as pessoas que entendeu serem as que estavam em melhores condições para executar essa tarefa. Em todo o caso, eu já estou muito satisfeito porque uma das propostas do meu plano integrado – a ponte Chelas-Barreiro com as três componentes: rodoviário, comboio convencional e TGV – foi adoptado pelo Governo. E se estivesse integrado nesse grupo de trabalho já não poderia ter enviado ao ministro das Obras Públicas essas propostas. Agora, falta que consiga que se deslocalize o aeroporto mais para sudoeste e que a linha de alta velocidade que vem do Porto, em vez de entrar pelo norte de Lisboa, venha pelo leste do Tejo e se junte à linha de Madrid na zona do aeroporto. E aí, a entrada em Lisboa far-se-á pela ponte Chelas-Barreiro. Isso traria poupanças enormes.

P – A ponte Chelas-Barreiro foi uma das alternativas, nos anos 90, preterida pelo Governo, que optou pelo corredor Sacavém-Montijo (Ponte Vasco da Gama). Sendo agora necessária, pode dizer-se que a Ponte Vasco da Gama foi um erro?

R – Eu penso que a escolha nos anos 90 do corredor Sacavém-Montijo foi uma solução acertada tendo em conta que era uma ponte estruturante porque ligava a CRIL à Margem Sul. A ponte Chelas-Barreiro serve sobretudo como travessia urbana.

P – Julga necessário tanta travessia, mais ainda quando se fala numa quarta, que ligará Belém à Trafaria?

R – Sim, elas têm objectivos diferentes e complementares.

P – E o país não tem recursos ilimitados…

R – Estou a falar de projectos, de intenções, não de quando se deve avançar para as obras.

P – Mas em Portugal rapidamente os lobbies da construção civil tentam que se avance logo para as obras…

R – Se estivermos num país organizado como deve ser, isso não acontece. Eu penso que as travessias fluviais no Tejo são um assunto muito sério, que deve ser bem ponderado, mas que são essenciais ao desenvolvimento da Área Metropolitana de Lisboa. Só com travessias fáceis é possível um desenvolvimento urbano harmónico. Naturalmente são investimentos avultados, mas são sujeitas ao pagamento de portagens. São os utilizadores que as pagam para sua comodidade. Além disso, com o novo aeroporto na Margem Sul haverá um aumento muito significativo de tráfego, tal como haveria no corredor Lisboa-Carregado se a opção fosse a Ota. Por isso, justificam-se novas travessias do Tejo.

P – As novas travessias implicam criação de novas frentes urbanas maciças. Aconteceu isso depois da década de 60 em Almada, com a ponte 25 de Abril; acontece actualmente em Alcochete e Montijo com a Ponte Vasco da Gama. Mais uma ponte vai contribuir para a desertificação de Lisboa. Isso não o preocupa?

R – Com franqueza, não estou muito preocupado com isso nem julgo que se corra esse risco. As pessoas só irão viver para a Margem Sul se venderem as casas na Margem Norte, porque não têm, por regra, dinheiro para ter duas casas. E os promotores imobiliários só vão construir na Margem Sul se tiverem mercado, se houver procura.

P – Se não é então previsível um aumento populacional na Margem Sul, então por que construir mais pontes sobre o Tejo?

R – As pontes têm várias funções. A ligação Chelas-Barreiro é essencial para a coesão da Área Metropolitana de Lisboa porque a península do Barreiro e da Moita não tem ainda ligação directa a Lisboa, ao contrário de Alcochete e Almada, que são servidas pelas pontes Vasco da Gama e 25 de Abril. E agora, com o futuro aeroporto de Lisboa, há uma razão acrescida.

P – Voltando à questão do aeroporto, qual a sua opinião sobre a solução Portela+1?

R – Sempre tive alguma dificuldade em perceber o conceito Portela+1. Aliás, nunca houve uma ideia muito clara sobre isso. Eu julgo que o que está em causa é saber se Portela deve ou não ser desactivada a partir de 2017. Ao contrário do que se poderia tecnicamente fazer na Ota, o aeroporto na Margem Sul pode fazer-se por fases.

P – Ou seja, Portela pode continuar a funcionar e teremos dois aeroportos em funcionamento…

R – Até 2017 pode acontecer muita coisa neste sector da aviação. Eu penso que seria sensato começar a construção de apenas uma pista e de uma parte da aerogare relativamente ao projecto global. Depois, perto da inauguração se analisaria se se seguia logo para uma segunda fase, se se mantinha activa a Portela ou se esta seria desactivada. Mas à partida, eu defendo que o aeroporto da Portela não deve existir naquele local por razões de segurança.

P – Um aspecto sempre polémico em relação às grandes obras públicas diz respeito ás derrapagens orçamentais e às estimativas de custos que se mudam e nunca acabam por bater certo quando se acaba a obra. Julga isso normal?

R – Não. E infelizmente no caso do futuro aeroporto já se está a associar a esse fenómeno. Até há pouco tempo, quando se falava no aeroporto em Alcochete a estimativa de custos era da ordem dos 2 mil milhões de euros, que é sensivelmente o custo que o Airport de Paris estimou para a opção Rio Frio em finais da década passada acrescido da taxa de inflação. E agora os números que aparecem nos jornais já apontam para os 3,2 mil milhões de euros.

P – Qual a razão para isso?

R – Isso terá que perguntar a quem indicou esse número. Mas arrepia-me que as nossas obras públicas tenham sempre tendência a ficar bastante caras. E dou o exemplo da Ponte Vasco da Gama em relação à nova Ponte da Lezíria, no Carregado. A Ponte Vasco da Gama, obra pública, custou um pouco mais de mil milhões de euros, a preços actuais, enquanto a Ponte da Lezíria, que foi paga pela Brisa, custou 200 milhões de euros. Eu estaria à espera que, tendo em conta a dimensão e diferenças estruturais, que a Ponte da Lezíria custasse 40% a 50% da Ponte Vasco da Gama, mas custou apenas 20%. Ou seja, muito menos do que seria suposto. Recentemente, um administrador da Brisa justificou, numa sessão pública, este bom preço da Ponte da Lezíria com uma frase lapidar: “É o que acontece quando é o dono da obra a fixar o preço»!

P – Como é vista a engenharia das grandes obras públicas feita pelos portugueses a nível internacional?

R – Julgo que está ao nível das boas engenharias estrangeiras. Temos bons profissionais e excelentes construtoras. Por exemplo, o aeroporto da Madeira foi galardoado em 2004 com o prémio de melhor obra de engenharia a nível mundial, tendo sido projectado e construído essencialmente por técnicos portugueses.

P – Mas sempre que se está em fase de construção de grandes obras públicas se discute muito os riscos de segurança. Acumulam-se acidentes e incidentes…

R – Há sempre bons, médios e também maus profissionais em engenharia, como em todas as áreas. Mas se tivemos já alguns casos de acidentes e incidentes, julgo também que há um certo exagero, empolamento por parte da comunicação social, porque isso acontece em todos os países. Ao contrário do que as pessoas pensam, não há obras 100% seguras. Nós trabalhamos com risco e incerteza. A nossa obrigação é garantir que uma obra construída tenha uma probabilidade de ruína muito baixa, da ordem de um para 100 mil, mas se ocorrer uma situação imprevista, o risco aumenta. As normas estão feitas para garantir uma segurança adequada, mas é sempre possível aumentá-la, mas aumentando, por vezes muito, os custos da obra.

P – Mas o problema em Portugal também está sobretudo na segurança das infra-estruturas antigas. Veja-se o caso da queda da ponte de Entre-os-Rios…

R – É um facto que, durante muito tempo, não houve em Portugal uma cultura de conservação e, particularmente, no período de mais intensa construção nova, nos anos 80 e 90. Em resultado desse acidente, há agora uma maior atenção à conservação e a situação actual das infra-estruturas parece-me melhor.

domingo, janeiro 06, 2008

Entrevista (não editada) publicada na revista Notícias Sábado ao Prof. José Delgado Domingos, professor jubilado do Instituto Superior Técnico

P – Nos últimos tempos, temos assistido a tribunais a mandarem encerrarem linhas de alta tensão e um eclodir de manifestações contra a Rede Eléctrica Nacional (REN). Do ponto de vista científico, justifica-se este alarido?

R – Eu fico um pouco surpreendido, e acho mesmo preocupante, quando os juízes começam a pronunciar-se sobre temas científicos que claramente não dominam; só serve para desacreditar a Justiça. Parte dos argumentos invocados não têm base científica nem de bom senso. É evidente que uma linha de alta tensão, tal como uma linha de baixa tensão – em suma, uma linha que transporte corrente eléctrica – é perigosa. Mas dizer que há um perigo sem o quantificar não faz sentido. Reduzir o perigo a zero é o mesmo que não ter electricidade. O risco existe sempre e deve ser minimizado com a aplicação rigorosa das normas, que neste caso até existem legalmente . Na minha opinião, o ataque à REN é uma tentativa de arranjar um bode expiatório.

P – A REN não tem responsabilidades nesta situação?

R – Não tendo uma procuração da REN, julgo serem absurdas as acusações, sobretudo quando dizem que ela pretende as linhas aéreas por serem mais lucrativas. A partir do momento em que a REN detém, por lei, o monopólio natural do transporte de electricidade acima dos 110 mil volts não é livre de fixar as tarifas. Estas são determinadas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). Em consequência, a REN é remunerada em função dos investimentos aprovados pela ERSE, pelo que nunca perde se for obrigada a enterrar as linhas. Pode mesmo ganhar. A REN, por isso, é o último dos responsáveis por esta situação.

P – Até porque a REN acaba por necessitar de autorizações para executar as linhas…

R – Exacto. E aqui reside o problema do planeamento das linhas de transporte de energia. A maior parte delas foram definidas ainda no tempo da EDP monopolista. Mas depois tiveram de ser aprovadas em concreto pelo Ministério do Ambiente – no âmbito da avaliação de impacte ambiental – e pela Direcção-Geral de Geologia e Energia. Só depois disto a REN pode avançar para a construção. Por isso, do ponto de vista legal não há nada que se possa apontar à REN. A questão acaba por ser de ordenamento do território. Quando se prevêem urbanizações sabe-se que é necessário construir infra-estruturas de água, de esgotos e de electricidade. E se é necessária a electricidade é necessário prever por onde passam as linhas de alta tensão. Em muitos casos, foi depois de estarem previstas as linhas de alta tensão, que as autarquias aprovaram planos directores municipais que permitiram a construção nos corredores de protecção e exclusão impostos por essas linhas. Na discussão actual a pergunta que se deve colocar é: quem autorizou as construções nos locais que agora contestam a passagem das linhas ?. A autorização para construir as linhas teve ou não em conta eventuais licenciamentos prévios de construção? O traçado das linhas é matéria do PROT( Plano Regional de Ordenamento do Território) que deve ser absolutamente cumprido pelas autarquias. De facto, ou responsabilizamos as pessoas e entidades pelos seus actos, ou acabamos por ter de pagar os seus disparates. Se os encargos de investimento da REN aumentarem, a consequência será um aumento das tarifas de electricidade, goste-se ou não se goste.

P – Surgiram notícias de que o aumento da tarifa, por causa do enterramento de linhas de alta tensão, pode atingir os 40%...

R – Vai depender do que se enterrar. Portugal possui cerca de sete mil quilómetros de linhas de alta tensão. Será impensável estar a enterrá-las todas, mas se assim se decidir, depois ninguém se pode queixar que a electricidade subiu muito ou que deixa de existir dinheiro para outras coisas, como hospitais. Isto é o cerne da decisão política. Haverá casos em que será melhor enterrar, sobretudo quando estamos a falar de atravessamento de povoações, noutros talvez saia até mais barato indemnizar e realojar pessoas.

P – Mas existe mesmo um perigo real relativamente às habitações que estão sob as linhas de alta tensão?

R – Há um perigo efectivo, de facto, e tais habitações são contra as normas legais. Sempre que existe uma linha de muito alta tensão são gerados campos eléctricos e electromagnéticos. O perigo depende da voltagem, da distância e da sensibilidade das pessoas, embora não existam estudos absolutamente conclusivos. Mas é bom salientar que um perigo significativo só existe se não forem tomadas as precauções necessárias, como as que são recomendadas por organismos internacionais. A própria REN as divulga no seu site e é obrigada por lei a aplicá-las.

P – Que não são cumpridas…

R – Nós começámos o disparate há muito tempo e continuamos. As autarquias não cumprem as zonas de exclusão, depois querem vetar as linhas mas querem a electricidade. Tem que existir planeamento e um compromisso. Portugal não é um conglomerado de principados ou baronatos. As manifestações mostram também que as populações perderam confiança nos poderes políticos, o que é gravíssimo. Como o cidadão comum se sente enganado inúmeras vezes acaba por perder a visão de conjunto, acarretando individualismos egoístas.

P – Os receios com as linhas de alta tensão tem também a ver com questões psicológicas: o medo invisível. Como ocorre com as radiações nucleares…

R – No caso das radiações nucleares, os efeitos são mais devastadores, porque são ionizantes e perduram, enquanto as radiações não ionizantes, – como os da electricidade ou a dos telemóveis – terminam logo que se desliga a corrente. Quanto aos efeitos é como se as radiações não ionizantes – como as emitidas pelas linhas de electricidade, pelos telemóveis ,pelos micro-ondas, etc– queimam, as radiações ionizantes dão uma martelada, pois provocam a rotura de ligações a nível molecular.

P – Na década de 70 foi um dos cientistas que se destacaram em Portugal contra a construção da central nuclear em Ferrel. Os pressupostos mantém-se, agora que se fala de novo na possibilidade da energia nuclear no nosso país?

R – Claro, não existe nenhuma diferença. Fico mesmo admirado ao constatar que aquilo que escrevi nos anos 70 se mantém actual. O meu combate ao nuclear em Portugal foi, e ainda é, primeiro que tudo, de natureza económica. É um absurdo económico. Do ponto de vista da perigosidade, agora ainda é mais evidente, por causa da proliferação das armas nucleares associada à construção dos reactores civis.

P – Como assim? Está a defender que sem energia nuclear para fins civis, para a produção de electricidade, não haveria tantos países com armas nucleares?

R – Sem dúvida. Sem existência de centrais nucleares, que produzem plutónio como resíduo, apenas países muito desenvolvidos do ponto de vista tecnológico as poderiam ter. Países como a Índia, o Paquistão e a Coreia do Norte não possuiriam armamento nuclear, pois é imprescindível a existência de plutónio. E por dia, uma central de 1000 MW produz quatro a cinco quilogramas de plutónio, suficiente para uma bomba atómica. E nessas circunstâncias, havendo plutónio disponível, a tecnologia posterior não precisa de ser tão apurada. Hoje sabe-se que existe um contrabando de plutónio e inúmeras tentativas de o transaccionar, algo que é dramático sabendo-se também da possibilidade de se criarem bombas sujas, que não são mais do que explosivos clássicos revestidos de produtos radioactivos, e que podem contaminar vastas regiões. As explosões não fazem o tradicional cogumelo, mas têm um elevado poder de destruição, de contaminação.

P – E existe, claro, o problema de segurança, como o que aconteceu em Chernobyl…

R – Sim e também na gestão dos resíduos. O recente incidente na central espanhola de Almaraz, na fronteira com Portugal, foi o resultado de um problema global no nuclear, que é o de se estar no limite da capacidade de armazenamento dos resíduos. Tendo em consideração a inexistência de uma solução final, estes têm de ser continuamente arrefecidos e se não houver muito cuidado desencadear-se-á uma reacção crítica devido à compactação.

P – Esse incidente em Almaraz poderia ter tido consequências catastróficas?

R – Foi um incidente pequeno porque se conseguiu controlar, mas poderia ter sido algo de muito grave. Foi um aviso. E no nuclear, uma pequena coisa pode transformar-se numa coisa enorme.

P – Em todo o caso, se as promessas do empresário Patrick Monteiro Barros de não ser necessário investimento público se confirmarem, Portugal pode vir a ter condições para ter uma central nuclear?

R – Se for por uma questão de natureza económica, repito, não é viável sem que haja um contributo importante dos nossos impostos. Não é só a questão do investimento da central que está em causa, mas também da rede de transporte. Além disso, uma central nuclear tem períodos de paragem, programadas e não programadas, e a nossa ligação a Espanha não suporta uma situação em que necessitássemos de energia nesses períodos. Ter-se-ia que fazer também aí um elevado investimento.

P – Mas imaginemos que os promotores pagavam tudo isso…

R – Ou seja, Portugal apenas assumia o seguro do risco de um desastre. Isto era assumirmos um dumping ambiental, o que seria impensável, típico de um país não do Terceiro Mundo mas sim do Quarto Mundo. Mas há quem pense nisso. Na fase actual do país, em que o grande capital manda, tudo é possível. Mas fique-se desde já a saber que se isso acontecer está alguém a ser vendido barato ou há corrupção da grande.

P – E desactivar todas as centrais nucleares do Mundo, é possível ou viável?

R – Não, não sou irrealista. Os países com pretensões militares, como a China e a Índia, continuarão a apostar. Não por razões energéticas, mas de defesa. Ou seja, o nuclear pode dar um contributo importante mas nunca resolverá todas as necessidades de electricidade. Além disso, existe outro problema que tem a ver com a escassez de urânio. E isso pode levar a que se insista em centrais a plutónio.

P – Que são ainda mais perigosas…

R – Sim. Até agora todas as experiências com estas centrais falharam, como foi o caso do Superphenix, na França.

P – Em 2007 falou-se bastante em energia em Portugal. Ao longo de 2008 está prevista a aprovação do Plano Nacional de Barragens e será anunciado o resultado do concurso para a ampliação dos parques eólicos. Será 2008 o ano da energia?

R – Talvez sim, mas espero que não seja pelas más razões. Em Portugal estamos a viver numa realidade virtual no campo da produção energética. E acho serem necessárias algumas advertências muito sérias. Por exemplo, penso que não se devem espalhar parques eólicos sem nexo. Eu sou defensor da energia eólica, mas não de qualquer maneira, sem disciplina. E aquilo a que estamos a assistir é um negócio puramente financeiro, só com vista para o lucro imediato. Em Portugal, os produtores de energia eólica beneficiam de uma situação económica altamente favorável, protegida e sem contrapartidas. E depois não existem estudos aprofundados do potencial eólico e das localizações mais adequadas, que salvaguardem algumas serras e apostem na hipótese dos parques off-shore.

P – O concurso está feito, de facto, de modo esquisito: os candidatos propõem locais e o que for vencedor quase automaticamente terá aprovadas todas as localizações, independentemente dos impactes…

R – Esse concurso foi feito para dar as regalias aos grandes monopólios. A energia eólica, que tem grandes méritos se for descentralizada e feita numa escala disseminada, acaba por ser concebida em concentrações, sem contrapartidas. A energia eólica é paga em Portugal de um forma exageradamente favorável às empresas, pois tem prioridade absoluta de entrada na rede e garantia de compra pela REN sem qualquer obrigatoriedade de previsibilidade do fornecimento dessa energia e sem penalizações previstas. Isto é chocante, porque afecta todo o sistema eléctrico nacional, obrigando a ter centrais em stand-by, com custos enormes. Nos países em que a eólica não é um puro negócio financeiro, o preço da electricidade eólica está ligado às previsões de produção e do respectivo cumprimento. Isto estimula o sistema de previsão e a gestão do sistema eléctrico. Faz-se assim na Espanha e nos países nórdicos, por exemplo.

P – Os transportes são uma das questões energéticas mais prementes da actualidade, ainda mais agora com a galopante subida dos preços do petróleo. Que solução teremos de seguir?

R – Tem-se falado muito no hidrogénio, no uso das pilhas de combustível, mas não me parece ser a solução. O hidrogénio é como a electricidade: a sua armazenagem em grande escala tem custos enormes. A Economia do Hidrogénio, de que se fala, implicaria uma rede autónoma muito complexa, porque sendo um gás muito leve não pode ser transportado com a mesma facilidade do gás natural. Por outro lado, o hidrogénio não é uma fonte mas um meio de transporte de energia, como a rede eléctrica. O hidrogénio tem de ser previamente produzido, consumindo sobretudo electricidade. Na minha opinião, o futuro está no uso de veículos eléctricos, sem meter de permeio o hidrogénio.

P – E os biocombustíveis?

R – Os biocombustíveis são outro disparate, pois nunca podem ter um papel mais do que marginal. A Terra tem 6,5 mil milhões de habitantes, que estão em crescimento, e usamos já entre 40% e 60% da fotossíntese disponivel. Pensar que podemos usar o que resta para produzir biocombustíveis é utópico. Actualmente só são viáveis com grandes subsídios, para além de entrarem em competição com as necessidades de alimentação no que respeita à disponibilidade de solos ferteis.

P – Ou seja, os preços de alguns produtos alimentares aumentarão, como já acontece com o milho…

R – Pois, estamos mais uma vez perante um negócio apenas financeiro. No Instituto Superior Técnico fez-se um estudo para o caso do milho que demonstrou que não existiriaa qualquer vantagem. A menos que se recorra a resíduos vegetais, os biocombustíveis não trazem efeitos positivos, e nunca será possível resolver a problema dos transportes nem a meta europeia de se usar 10% de biocombustíveis de origem nacional.

P – Este projecto é, como muitos, apresentado com uma capa de defesa do ambiente…

R – É absolutamente vital desmontar isso. Os únicos que não perderão são os que entram nesses negócios. E isso acontece porque em Portugal não temos uma cultura científica sólida, exigente e independente – vai tudo a reboque. Acha que eu, por estar a dizer isto, vou amanhã ser financiado na investigação destes temas? Pelo contrário…

P – Qual será, enfim, então a via para o paradigma energético? Consumir menos ou ser mais eficiente e assim consumir melhor?

R – Consumir menos, até porque há limites para a eficiência energética. Há limites termodinâmicos que nenhuma tecnologia ultrapassará.

P – Está muito céptico. A ciência e tecnologia têm evoluído de uma forma impensável no último século…

R – Teríamos de falar então na diferença entre ciência e tecnologia. Por exemplo, nós sabemos que existe fusão nuclear, basta olhar para o sol, e como funciona. Mas não conseguimos fazer com que esse fenómeno ocorra de forma estável e aproveitável pela sociedade.

P – Voltando a Portugal, por que razão continuamos a ser um dos piores países em termos de eficiência energética?

R – É uma questão cultural, vivemos acima das nossas possibilidades e grande parte da energia que gastamos é em actividades não produtivas. Por exemplo, actualmente gastamos, per capita, apenas menos 10% de energia do que um dinamarquês, mas gastamos cerca do dobro para produzir a mesma unidade de riqueza.

P – A Conferência de Bali sobre alterações climáticas foi ou não um sucesso?

R – Considerou-se um sucesso por se ter conseguido colocar no texto final uma nota de rodapé que faz referência a um estudo do Painel Internacional para as Alterações Climáticas (IPCC). Mas essa nota de rodapé remete, por sua vez, para outras duas notas que, na prática, a anulam, porque, na verdade, não são fixadas quaisquer metas, mas apenas indicações que são questionáveis.

P – Em todo o caso parece consensual que as alterações climáticas são já agora uma evidência, tanto assim que em 2007 se falou imenso do assunto…

R – Existem alterações climáticas mensuráveis mas existe também uma enorme manipulação ao reduzir tudo ao CO2 e equivalentes. O principal gás com efeito de estufa é o vapor de água. O alarmismo actual quanto às alterações climáticas é um instrumento de controlo social, pretexto para grandes negócios e combate político. Transformou-se numa ideologia, o que é preocupante

P – Há uns anos falava-se que eram as petrolíferas a financiarem cientistas para negarem as alterações climáticas…

R – Agora é um pouco ao contrário.

P – Onde está então a verdade? Onde está a realidade?

R – Há três realidades: uma científica – que mostra os dados observados –, outra de realidade virtual – que se baseia em modelos computacionais – e outra pública. Entre as três, por vezes, há grandes contradições.

P – Mas afinal, na sua opinião, existe ou não aquecimento global provocado pelas emissões de dióxido de carbono das actividades humanas?

R – O último relatório científico do IPCC refere, por exemplo, que na Antártida o aumento da temperatura precedeu o aumento das emissões de dióxido de carbono, mas depois isso é omitido no relatório para os decisores políticos. Recentemente descobriu-se que afinal houve um erro em considerar que 1998 foi o ano mais quente no EUA desde que existem registos; de facto, o ano mais quente foi o de 1934. E agora sabe-se, depois de um grande escândalo, que no século XV ocorreu um crescimento abrupto de temperaturas idêntico ao que se verifica actualmente.

P – Então em ficamos? Existe ou não aquecimento global, na sua opinião?

R – Tem ocorrido um aumento da temperatura, até 1998, mas não se pode garantir que, nos próximos anos, continue e que esteja apenas associado às emissões de dióxido de carbono.

P – Nesse âmbito, a aplicação do protocolo de Quioto servirá para algo?

R – Tudo o que seja feito para diminuir as emissões de dióxido de carbono é positivo, porque implicará redução dos consumos energéticos. Mas criar uma ideologia agarrada ao dióxido de carbono é um perigoso disparate. Será preferível prepararmo-nos para as naturais evoluções do clima. Adaptarmo-nos, e estarmos preparados, caso aconteçam, o que significa, entre outras coisas, não destruir as dunas a pretexto de PIN, não contruir em leitos de cheia, não impermeabilizar solos para não agravar os efeitos das potenciais e naturais ondas de calor, etc

P – Em suma, advoga então que se siga a política preconizada pela Administração Bush…

R – Não se pode continuar a diabolizar os Estados Unidos. Os norte-americanos têm dos melhores estudos e especialistas nesta área. Basta dizer que o UCAR ( University Corporation for Atmosferic Research) – um organismo norte-americano que estuda os fenómenos climáticos e meteorológicos – tem um orçamento de 200 milhões de dólares, enquanto o IPCC tem apenas 10 milhões, para além de que mais de 50% dos cientistas que elaboraram os relatórios do IPCC são americanos.

P – Nos últimos tempos, temos assistido a tribunais a mandarem encerrarem linhas de alta tensão e um eclodir de manifestações contra a Rede Eléctrica Nacional (REN). Do ponto de vista científico, justifica-se este alarido?

R – Eu fico um pouco surpreendido, e acho mesmo preocupante, quando os juízes começam a pronunciar-se sobre temas científicos que claramente não dominam; só serve para desacreditar a Justiça. Parte dos argumentos invocados não têm base científica nem de bom senso. É evidente que uma linha de alta tensão, tal como uma linha de baixa tensão – em suma, uma linha que transporte corrente eléctrica – é perigosa. Mas dizer que há um perigo sem o quantificar não faz sentido. Reduzir o perigo a zero é o mesmo que não ter electricidade. O risco existe sempre e deve ser minimizado com a aplicação rigorosa das normas, que neste caso até existem legalmente . Na minha opinião, o ataque à REN é uma tentativa de arranjar um bode expiatório.

P – A REN não tem responsabilidades nesta situação?

R – Não tendo uma procuração da REN, julgo serem absurdas as acusações, sobretudo quando dizem que ela pretende as linhas aéreas por serem mais lucrativas. A partir do momento em que a REN detém, por lei, o monopólio natural do transporte de electricidade acima dos 110 mil volts não é livre de fixar as tarifas. Estas são determinadas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). Em consequência, a REN é remunerada em função dos investimentos aprovados pela ERSE, pelo que nunca perde se for obrigada a enterrar as linhas. Pode mesmo ganhar. A REN, por isso, é o último dos responsáveis por esta situação.

P – Até porque a REN acaba por necessitar de autorizações para executar as linhas…

R – Exacto. E aqui reside o problema do planeamento das linhas de transporte de energia. A maior parte delas foram definidas ainda no tempo da EDP monopolista. Mas depois tiveram de ser aprovadas em concreto pelo Ministério do Ambiente – no âmbito da avaliação de impacte ambiental – e pela Direcção-Geral de Geologia e Energia. Só depois disto a REN pode avançar para a construção. Por isso, do ponto de vista legal não há nada que se possa apontar à REN. A questão acaba por ser de ordenamento do território. Quando se prevêem urbanizações sabe-se que é necessário construir infra-estruturas de água, de esgotos e de electricidade. E se é necessária a electricidade é necessário prever por onde passam as linhas de alta tensão. Em muitos casos, foi depois de estarem previstas as linhas de alta tensão, que as autarquias aprovaram planos directores municipais que permitiram a construção nos corredores de protecção e exclusão impostos por essas linhas. Na discussão actual a pergunta que se deve colocar é: quem autorizou as construções nos locais que agora contestam a passagem das linhas ?. A autorização para construir as linhas teve ou não em conta eventuais licenciamentos prévios de construção? O traçado das linhas é matéria do PROT( Plano Regional de Ordenamento do Território) que deve ser absolutamente cumprido pelas autarquias. De facto, ou responsabilizamos as pessoas e entidades pelos seus actos, ou acabamos por ter de pagar os seus disparates. Se os encargos de investimento da REN aumentarem, a consequência será um aumento das tarifas de electricidade, goste-se ou não se goste.

P – Surgiram notícias de que o aumento da tarifa, por causa do enterramento de linhas de alta tensão, pode atingir os 40%...

R – Vai depender do que se enterrar. Portugal possui cerca de sete mil quilómetros de linhas de alta tensão. Será impensável estar a enterrá-las todas, mas se assim se decidir, depois ninguém se pode queixar que a electricidade subiu muito ou que deixa de existir dinheiro para outras coisas, como hospitais. Isto é o cerne da decisão política. Haverá casos em que será melhor enterrar, sobretudo quando estamos a falar de atravessamento de povoações, noutros talvez saia até mais barato indemnizar e realojar pessoas.

P – Mas existe mesmo um perigo real relativamente às habitações que estão sob as linhas de alta tensão?

R – Há um perigo efectivo, de facto, e tais habitações são contra as normas legais. Sempre que existe uma linha de muito alta tensão são gerados campos eléctricos e electromagnéticos. O perigo depende da voltagem, da distância e da sensibilidade das pessoas, embora não existam estudos absolutamente conclusivos. Mas é bom salientar que um perigo significativo só existe se não forem tomadas as precauções necessárias, como as que são recomendadas por organismos internacionais. A própria REN as divulga no seu site e é obrigada por lei a aplicá-las.

P – Que não são cumpridas…

R – Nós começámos o disparate há muito tempo e continuamos. As autarquias não cumprem as zonas de exclusão, depois querem vetar as linhas mas querem a electricidade. Tem que existir planeamento e um compromisso. Portugal não é um conglomerado de principados ou baronatos. As manifestações mostram também que as populações perderam confiança nos poderes políticos, o que é gravíssimo. Como o cidadão comum se sente enganado inúmeras vezes acaba por perder a visão de conjunto, acarretando individualismos egoístas.

P – Os receios com as linhas de alta tensão tem também a ver com questões psicológicas: o medo invisível. Como ocorre com as radiações nucleares…

R – No caso das radiações nucleares, os efeitos são mais devastadores, porque são ionizantes e perduram, enquanto as radiações não ionizantes, – como os da electricidade ou a dos telemóveis – terminam logo que se desliga a corrente. Quanto aos efeitos é como se as radiações não ionizantes – como as emitidas pelas linhas de electricidade, pelos telemóveis ,pelos micro-ondas, etc– queimam, as radiações ionizantes dão uma martelada, pois provocam a rotura de ligações a nível molecular.

P – Na década de 70 foi um dos cientistas que se destacaram em Portugal contra a construção da central nuclear em Ferrel. Os pressupostos mantém-se, agora que se fala de novo na possibilidade da energia nuclear no nosso país?

R – Claro, não existe nenhuma diferença. Fico mesmo admirado ao constatar que aquilo que escrevi nos anos 70 se mantém actual. O meu combate ao nuclear em Portugal foi, e ainda é, primeiro que tudo, de natureza económica. É um absurdo económico. Do ponto de vista da perigosidade, agora ainda é mais evidente, por causa da proliferação das armas nucleares associada à construção dos reactores civis.

P – Como assim? Está a defender que sem energia nuclear para fins civis, para a produção de electricidade, não haveria tantos países com armas nucleares?

R – Sem dúvida. Sem existência de centrais nucleares, que produzem plutónio como resíduo, apenas países muito desenvolvidos do ponto de vista tecnológico as poderiam ter. Países como a Índia, o Paquistão e a Coreia do Norte não possuiriam armamento nuclear, pois é imprescindível a existência de plutónio. E por dia, uma central de 1000 MW produz quatro a cinco quilogramas de plutónio, suficiente para uma bomba atómica. E nessas circunstâncias, havendo plutónio disponível, a tecnologia posterior não precisa de ser tão apurada. Hoje sabe-se que existe um contrabando de plutónio e inúmeras tentativas de o transaccionar, algo que é dramático sabendo-se também da possibilidade de se criarem bombas sujas, que não são mais do que explosivos clássicos revestidos de produtos radioactivos, e que podem contaminar vastas regiões. As explosões não fazem o tradicional cogumelo, mas têm um elevado poder de destruição, de contaminação.

P – E existe, claro, o problema de segurança, como o que aconteceu em Chernobyl…

R – Sim e também na gestão dos resíduos. O recente incidente na central espanhola de Almaraz, na fronteira com Portugal, foi o resultado de um problema global no nuclear, que é o de se estar no limite da capacidade de armazenamento dos resíduos. Tendo em consideração a inexistência de uma solução final, estes têm de ser continuamente arrefecidos e se não houver muito cuidado desencadear-se-á uma reacção crítica devido à compactação.

P – Esse incidente em Almaraz poderia ter tido consequências catastróficas?

R – Foi um incidente pequeno porque se conseguiu controlar, mas poderia ter sido algo de muito grave. Foi um aviso. E no nuclear, uma pequena coisa pode transformar-se numa coisa enorme.

P – Em todo o caso, se as promessas do empresário Patrick Monteiro Barros de não ser necessário investimento público se confirmarem, Portugal pode vir a ter condições para ter uma central nuclear?

R – Se for por uma questão de natureza económica, repito, não é viável sem que haja um contributo importante dos nossos impostos. Não é só a questão do investimento da central que está em causa, mas também da rede de transporte. Além disso, uma central nuclear tem períodos de paragem, programadas e não programadas, e a nossa ligação a Espanha não suporta uma situação em que necessitássemos de energia nesses períodos. Ter-se-ia que fazer também aí um elevado investimento.

P – Mas imaginemos que os promotores pagavam tudo isso…

R – Ou seja, Portugal apenas assumia o seguro do risco de um desastre. Isto era assumirmos um dumping ambiental, o que seria impensável, típico de um país não do Terceiro Mundo mas sim do Quarto Mundo. Mas há quem pense nisso. Na fase actual do país, em que o grande capital manda, tudo é possível. Mas fique-se desde já a saber que se isso acontecer está alguém a ser vendido barato ou há corrupção da grande.

P – E desactivar todas as centrais nucleares do Mundo, é possível ou viável?

R – Não, não sou irrealista. Os países com pretensões militares, como a China e a Índia, continuarão a apostar. Não por razões energéticas, mas de defesa. Ou seja, o nuclear pode dar um contributo importante mas nunca resolverá todas as necessidades de electricidade. Além disso, existe outro problema que tem a ver com a escassez de urânio. E isso pode levar a que se insista em centrais a plutónio.

P – Que são ainda mais perigosas…

R – Sim. Até agora todas as experiências com estas centrais falharam, como foi o caso do Superphenix, na França.

P – Em 2007 falou-se bastante em energia em Portugal. Ao longo de 2008 está prevista a aprovação do Plano Nacional de Barragens e será anunciado o resultado do concurso para a ampliação dos parques eólicos. Será 2008 o ano da energia?

R – Talvez sim, mas espero que não seja pelas más razões. Em Portugal estamos a viver numa realidade virtual no campo da produção energética. E acho serem necessárias algumas advertências muito sérias. Por exemplo, penso que não se devem espalhar parques eólicos sem nexo. Eu sou defensor da energia eólica, mas não de qualquer maneira, sem disciplina. E aquilo a que estamos a assistir é um negócio puramente financeiro, só com vista para o lucro imediato. Em Portugal, os produtores de energia eólica beneficiam de uma situação económica altamente favorável, protegida e sem contrapartidas. E depois não existem estudos aprofundados do potencial eólico e das localizações mais adequadas, que salvaguardem algumas serras e apostem na hipótese dos parques off-shore.

P – O concurso está feito, de facto, de modo esquisito: os candidatos propõem locais e o que for vencedor quase automaticamente terá aprovadas todas as localizações, independentemente dos impactes…

R – Esse concurso foi feito para dar as regalias aos grandes monopólios. A energia eólica, que tem grandes méritos se for descentralizada e feita numa escala disseminada, acaba por ser concebida em concentrações, sem contrapartidas. A energia eólica é paga em Portugal de um forma exageradamente favorável às empresas, pois tem prioridade absoluta de entrada na rede e garantia de compra pela REN sem qualquer obrigatoriedade de previsibilidade do fornecimento dessa energia e sem penalizações previstas. Isto é chocante, porque afecta todo o sistema eléctrico nacional, obrigando a ter centrais em stand-by, com custos enormes. Nos países em que a eólica não é um puro negócio financeiro, o preço da electricidade eólica está ligado às previsões de produção e do respectivo cumprimento. Isto estimula o sistema de previsão e a gestão do sistema eléctrico. Faz-se assim na Espanha e nos países nórdicos, por exemplo.

P – Os transportes são uma das questões energéticas mais prementes da actualidade, ainda mais agora com a galopante subida dos preços do petróleo. Que solução teremos de seguir?

R – Tem-se falado muito no hidrogénio, no uso das pilhas de combustível, mas não me parece ser a solução. O hidrogénio é como a electricidade: a sua armazenagem em grande escala tem custos enormes. A Economia do Hidrogénio, de que se fala, implicaria uma rede autónoma muito complexa, porque sendo um gás muito leve não pode ser transportado com a mesma facilidade do gás natural. Por outro lado, o hidrogénio não é uma fonte mas um meio de transporte de energia, como a rede eléctrica. O hidrogénio tem de ser previamente produzido, consumindo sobretudo electricidade. Na minha opinião, o futuro está no uso de veículos eléctricos, sem meter de permeio o hidrogénio.

P – E os biocombustíveis?

R – Os biocombustíveis são outro disparate, pois nunca podem ter um papel mais do que marginal. A Terra tem 6,5 mil milhões de habitantes, que estão em crescimento, e usamos já entre 40% e 60% da fotossíntese disponivel. Pensar que podemos usar o que resta para produzir biocombustíveis é utópico. Actualmente só são viáveis com grandes subsídios, para além de entrarem em competição com as necessidades de alimentação no que respeita à disponibilidade de solos ferteis.

P – Ou seja, os preços de alguns produtos alimentares aumentarão, como já acontece com o milho…

R – Pois, estamos mais uma vez perante um negócio apenas financeiro. No Instituto Superior Técnico fez-se um estudo para o caso do milho que demonstrou que não existiriaa qualquer vantagem. A menos que se recorra a resíduos vegetais, os biocombustíveis não trazem efeitos positivos, e nunca será possível resolver a problema dos transportes nem a meta europeia de se usar 10% de biocombustíveis de origem nacional.

P – Este projecto é, como muitos, apresentado com uma capa de defesa do ambiente…

R – É absolutamente vital desmontar isso. Os únicos que não perderão são os que entram nesses negócios. E isso acontece porque em Portugal não temos uma cultura científica sólida, exigente e independente – vai tudo a reboque. Acha que eu, por estar a dizer isto, vou amanhã ser financiado na investigação destes temas? Pelo contrário…

P – Qual será, enfim, então a via para o paradigma energético? Consumir menos ou ser mais eficiente e assim consumir melhor?

R – Consumir menos, até porque há limites para a eficiência energética. Há limites termodinâmicos que nenhuma tecnologia ultrapassará.

P – Está muito céptico. A ciência e tecnologia têm evoluído de uma forma impensável no último século…

R – Teríamos de falar então na diferença entre ciência e tecnologia. Por exemplo, nós sabemos que existe fusão nuclear, basta olhar para o sol, e como funciona. Mas não conseguimos fazer com que esse fenómeno ocorra de forma estável e aproveitável pela sociedade.

P – Voltando a Portugal, por que razão continuamos a ser um dos piores países em termos de eficiência energética?

R – É uma questão cultural, vivemos acima das nossas possibilidades e grande parte da energia que gastamos é em actividades não produtivas. Por exemplo, actualmente gastamos, per capita, apenas menos 10% de energia do que um dinamarquês, mas gastamos cerca do dobro para produzir a mesma unidade de riqueza.

P – A Conferência de Bali sobre alterações climáticas foi ou não um sucesso?

R – Considerou-se um sucesso por se ter conseguido colocar no texto final uma nota de rodapé que faz referência a um estudo do Painel Internacional para as Alterações Climáticas (IPCC). Mas essa nota de rodapé remete, por sua vez, para outras duas notas que, na prática, a anulam, porque, na verdade, não são fixadas quaisquer metas, mas apenas indicações que são questionáveis.

P – Em todo o caso parece consensual que as alterações climáticas são já agora uma evidência, tanto assim que em 2007 se falou imenso do assunto…

R – Existem alterações climáticas mensuráveis mas existe também uma enorme manipulação ao reduzir tudo ao CO2 e equivalentes. O principal gás com efeito de estufa é o vapor de água. O alarmismo actual quanto às alterações climáticas é um instrumento de controlo social, pretexto para grandes negócios e combate político. Transformou-se numa ideologia, o que é preocupante

P – Há uns anos falava-se que eram as petrolíferas a financiarem cientistas para negarem as alterações climáticas…

R – Agora é um pouco ao contrário.

P – Onde está então a verdade? Onde está a realidade?

R – Há três realidades: uma científica – que mostra os dados observados –, outra de realidade virtual – que se baseia em modelos computacionais – e outra pública. Entre as três, por vezes, há grandes contradições.

P – Mas afinal, na sua opinião, existe ou não aquecimento global provocado pelas emissões de dióxido de carbono das actividades humanas?

R – O último relatório científico do IPCC refere, por exemplo, que na Antártida o aumento da temperatura precedeu o aumento das emissões de dióxido de carbono, mas depois isso é omitido no relatório para os decisores políticos. Recentemente descobriu-se que afinal houve um erro em considerar que 1998 foi o ano mais quente no EUA desde que existem registos; de facto, o ano mais quente foi o de 1934. E agora sabe-se, depois de um grande escândalo, que no século XV ocorreu um crescimento abrupto de temperaturas idêntico ao que se verifica actualmente.

P – Então em ficamos? Existe ou não aquecimento global, na sua opinião?

R – Tem ocorrido um aumento da temperatura, até 1998, mas não se pode garantir que, nos próximos anos, continue e que esteja apenas associado às emissões de dióxido de carbono.

P – Nesse âmbito, a aplicação do protocolo de Quioto servirá para algo?

R – Tudo o que seja feito para diminuir as emissões de dióxido de carbono é positivo, porque implicará redução dos consumos energéticos. Mas criar uma ideologia agarrada ao dióxido de carbono é um perigoso disparate. Será preferível prepararmo-nos para as naturais evoluções do clima. Adaptarmo-nos, e estarmos preparados, caso aconteçam, o que significa, entre outras coisas, não destruir as dunas a pretexto de PIN, não contruir em leitos de cheia, não impermeabilizar solos para não agravar os efeitos das potenciais e naturais ondas de calor, etc

P – Em suma, advoga então que se siga a política preconizada pela Administração Bush…

R – Não se pode continuar a diabolizar os Estados Unidos. Os norte-americanos têm dos melhores estudos e especialistas nesta área. Basta dizer que o UCAR ( University Corporation for Atmosferic Research) – um organismo norte-americano que estuda os fenómenos climáticos e meteorológicos – tem um orçamento de 200 milhões de dólares, enquanto o IPCC tem apenas 10 milhões, para além de que mais de 50% dos cientistas que elaboraram os relatórios do IPCC são americanos.