REPORTAGENS AMBIENTAIS

ESTRAGO DA NAÇÃO

segunda-feira, maio 03, 2004

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GASES DE PORTUGAL - Grande Reportagem, 1 de Maio de 2004




Mais de duas décadas depois de ter começado a trabalhar na Cimpor, a respirar a poeira e a viver rodeado por polvilhante neblina, Duarte Nuno pôde reformar-se e ocupar os seus tempos livres a pastar as suas ovelhas e cabras em Souselas. Longe vão já os tempos em que do apeadeiro da Linha do Norte, a poucos quilómetros de Coimbra, a cimenteira parecia uma miragem destorcida na névoa, quando os animais recusavam o pasto, os telhados eram brancos de cimento e os pulmões das gentes pioravam a olhos vistos. «Era terrível viver-se nestas bandas, mas o povo não podia levantar a voz, pois muitas famílias tinham o seu sustento na cimenteira», diz Duarte Nuno.

Os tempos entretanto mudaram. Não apenas Souselas deixou de ser a principal fonte de emprego desta freguesia coimbrã, como – porventura por isso mesmo – os protestos aumentaram. Quem hoje chegar a Souselas não vê assim a indústria que diabolizou a vida daquelas pessoas durante décadas. Em muitos dias não se vislumbra sequer fumo – há quem diga que à noite sim – e o barulho de dragão escondido foi tapado por umas faixas acústicas dispostas em redor da cimenteira. «Isto agora está melhor para nós, mas eles ainda lá metem muita coisa esquisita», diz Duarte Nuno.
O homem, como antigo trabalhador, lá sabe do que fala. Mas porventura não sabe dizer – nem ninguém do povo de Souselas poderia saber – aquilo que, de facto, despejam aquelas chaminés. Pode pensar viver melhor por não ver agora tanto fumo e pó, mas provavelmente será uma ilusão. E o mesmo se aplica a todas as outras dezenas de grandes fábricas em Portugal – desde as outras cimenteiras até às centrais termoeléctricas e de incineração, passando pelas refinarias, químicas, celuloses, siderurgias e metalúrgicas. O povo teme sobretudo a cor e o cheio dos fumos. Mas a poluição está longe de ser um problema a preto e branco – do género «não há poluição sem fumo». Muito dos mais perigosos poluentes surgem incolores e inodoros... e implacáveis. Letais, por vezes. Moem primeiro, matam mais tarde.

Em Portugal, contudo, a condescendência oficial e legislação ambiental da qualidade do ar sempre foram pródigas na protecção oficial das empresas poluentes. Durante o Estado Novo a poluição oficialmente não existia, memo se, por exemplo, os fumos do complexo do Barreiro quase não permitiam a visibilidade nos jogos de futebol, ou se para os lisboetas a Outra Margem era um manto de impenetrável neblina. Mais tarde, as melhorias apenas foram sendo sentidas à conta de uma triste sina: a redução dos poluentes verificava-se somente quando fechavam fábricas – não por imposições legais, mas por dificuldades económicas provocadas pela obsolescência tecnológica. Com a entrada de Portugal na então chamada CEE, surgiram as primeiras normas anti-poluição.

Contudo, a primeira lei da qualidade do ar do país determinou que as emissões poluentes de cada indústria beneficiassem de carácter confidencial. Público e notório eram somente os odores malcheirosos, as irritações das vias respiratórias, as doenças crónicas, o definhamento das culturas agrícolas e a estranha mortandade em animais. Se é certo que foram sendo introduzidas algumas tecnologias de despoluição, também as empresas aumentaram de dimensão. Quase uma década e meia após essa lei, em pleno século XXI, e quando se julgaria o surgimento de novos ventos de mudança, a recente revisão dessa legislação, publicada no início de Abril deste ano, acabou por seguir o mesmo diapasão. O Governo teve o «cuidado» de vincar, mais uma vez, que nos futuros inventários regionais e nacional, a elaborar com frequência anual, «não consta a identificação das fontes de emissão envolvidas». Ficam satisfeitas as empresas e «alegre» o povo por viver em saudável ignorância.

O azar para o Governo português nesta lógica de secretismo, de tapar o sol com a peneira, foi de que a União Europeia não teve idêntica postura. Desde o início de Março deste ano, a Agência Europeia do Ambiente começou a disponibilizar informação detalhada sobre as emissões poluentes das maiores empresas europeias. Incluindo, porventura, para mal dos pecados das empresas e do Ministério de Amílcar Theias, a poluição discriminada para Portugal. E, dessa forma, mesmo com as autoridades de ambiente nacionais contrariadas, uma tecnologia, ao dispor de um simples teclar de computador, conhecida por Internet, permite, via Bruxelas, aquilo que Lisboa recusa aos seus cidadãos.

O pastor Duarte Nuno, as suas cabras e ovelhas, bem como a população inteira de Souselas, se assim desejarem, pode já saber que a sua vizinha cimenteira, embora não crie névoa, vomitava em 2001 – período inicial desta inventariação feita pela Agência Europeia de Ambiente – quase 1,8 toneladas de dióxido de carbono, 3,5 mil toneladas de óxidos de azoto e 700 quilos de óxidos de enxofre. Mas também muito mais poluição «pesada»: 425 quilos de cádmio, 1,84 toneladas de crómio e 18 quilos de mercúrio.

E isto será muito? É, e mesmo à escala europeia, sobretudo para alguns destes poluentes. Por exemplo, no caso do cádmio – um metal pesado bioacumulável e bastante tóxico –, a cimenteira da Cimpor em Souselas surge como a 12ª mais poluente numa lista de 433 empresas do espaço comunitário analisadas pela Agência Europeia de Ambiente. E estes dados permitem, de igual modo, comparar as «perfomances» entre empresas nacionais do mesmo sector. Por exemplo, a Cimpor de Souselas emite 20 vezes superior mais cádmio do que a cimenteira da Secil no Outão. Curiosamente, estas eram as duas cimenteiras que estavam para receber os resíduos perigosos, o que a ocorrer aumentaria ainda mais estes volumes de poluentes atmosféricos.

Além disto, aquilo que os dados da União Europeia permitem observar é de que as cimenteiras também emitem elevadas quantidades de metais pesados que o senso comum pensaria estarem somente associadas a outros sectores industrial. É o caso do chumbo. Por exemplo, a cimenteira da Cimpor em Alhandra emite, em pleno meio urbano, cerca de 1,5 toneladas por ano de chumbo – três vezes mais do que a sua «vizinha» fábrica de baterias da Tudor. «As cimenteiras usam uma grande variedade de matérias-primas, pelo que o seu grau de contaminação é determinante para a poluição atmosférica que provocam. Por isso, avaliar a poluição através dos poluentes clássicos mais usuais, que são monitorizados em contínuo, quase sempre é insuficiente para avaliar os impactes ambientais e na saúde pública», salienta João Gomes, especialista em poluição atmosférica do Instituto de Soldadura e Qualidade.

Um dos aspectos mais surpreendentes dos dados da Agência Europeia do Ambiente é o de mostrar que afinal Portugal não é nenhum jardim à beira mar plantado da União Europeia, imune à poluição atmosférica. Embora seja dos países menos industrializados e de menor dimensão em termos de produção da União Europeia, apresenta, contudo, várias empresas no topo das mais poluentes. O caso mais saliente é o da central termoeléctrica de Sines. Até agora sabia-se que poluía e bastante. E que a sua poluição, mais a de outras unidades fabris do complexo industrial de Sines, era e é responsável pela afectação de áreas agrícolas e causadora de crises de ozono durante o Verão.

Mas mesmo assim – face à até agora ausência de dados fiáveis – poucos poderiam supor estar-se afinal perante a 6ª empresa europeia que mais emite ácido clorídrico, a 7ª em óxidos de azoto (NOx), a 12ª no caso das partículas finas (PM10), a 15ª nos óxidos de enxofre (SOx) e a 17ª no caso do dióxido de carbono (CO2). Esta central termoeléctrica da EDP – que funciona a carvão – e uma outra unidade similar na Galiza são as únicas duas empresas europeias que surgem sempre na lista das 20 mais poluentes para os quatro poluentes clássicos (CO2, SOx, NOx e PM10). Além disto, a central de Sines ainda libertou, em 2001, quantidades significativas de metais pesados, como seja 344 quilos de chumbo, 120 quilos de mercúrio, 260 quilos de crómio e 12 quilos de cádmio.

Jamais o Ministério do Ambiente e a própria empresa eléctrica nacional fizeram sequer a mínima referência a tamanha quantidade e diversidade de poluição. «As nossas unidades de produção de electricidade usam combustíveis de péssima qualidade e como a fiscalização e pressão do Ministério do Ambiente são mínimas, continuam a poluir de forma estrondosa», salienta Delgado Domingos, professor catedrático do Instituto Superior Técnico. Para este especialista em termodinâmica, «a situação é ainda mais grave nas situações em que se usa fuel, como na central de Setúbal». E, de facto, os dados da Agência Europeia do Ambiente confirmar essa situação.

Apesar desta central da EDP ser de pequena dimensão e não funcionar durante todo o ano, emitiu em 2001 quase 57 mil toneladas de óxidos de enxofre, sendo, para este poluente, a pior empresa nacional que ocupa, à escala europeia, a 10ª pior posição, num universo de mais de 1200. «Enquanto esta central continuar a funcionar com este combustível será um cancro para Setúbal e a região sadina», refere Francisco Ferreira, dirigente da Quercus e professor de qualidade do ar da Faculdade de Ciências Tecnologia de Lisboa. João Gomes considera, por isso, importante «apostar, cada vez mais, no uso de gás natural para a produção de electricidade por via térmica».

Mas se individualmente a situação de algumas empresas é preocupante, mais o é em casos de concentração industrial. As mais poluentes empresas nacionais estão localizadas em complexos industriais, agudizando assim e acumulando os problemas de qualidade do ar. Por exemplo, somente as três principais empresas do complexo de Sines – central térmica de Sines, Petrogal e Borealis – são responsáveis pela libertação anual de quase 20% das partículas e de cerca de um terço das emissões de dióxido de carbono e óxidos de enxofre e de azoto da industrial nacional abrangida pela Agência Europeia do Ambiente. A Borealis também se destaca, negativamente, por libertar elevadas quantidades de benzeno para a atmosfera, sendo a 10ª indústria europeia que mais emite esta substância cancerígena. Setúbal sofre de idêntico problema de concentração industrial. Por exemplo, as três maiores empresas deste concelho – central da EDP, Portucel e Secil – são responsáveis por 36% das emissões nacionais do sector industrial.

Os dados da Agência Europeia do Ambiente também permitem os riscos que correm alguns importantes aglomerados populacionais. Esta situação torna-se evidente no caso da Petrogal em Matosinhos, uma refinaria europeia de média dimensão, que libertou em 2001 cerca de 612 quilos de venenoso gases de arsénico – ocupando a 9ª posição de entre as 468 indústrias comunitárias que monitorizam esta substância. Isto para além de 269 quilos de cádmio (20ª posição na União Europeia) e 1,7 toneladas de crómio. «Esta é uma surpresa desagradável; estas quantidades de poluentes são bastante elevadas e constituem gravíssimos problemas de saúde pública, sobretudo por serem compostos acumuláveis ao longo da vida das pessoas», diz Francisco Ferreira, dirigente da Quercus e professor de qualidade do ar da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Lisboa.

Mas não é somente a indústria transformadora e os principais centros industriais que causam dores de cabeça e problemas de saúde pública. As minas da Somincor de Neves-Corvo surgem como sendo a terceira empresa da União Europeia que mais emite zinco para atmosfera (cerca de 78 toneladas por ano). A quantidade de outras substâncias perigosas não é também de menosprezar: quase 3,6 toneladas de chumbo (o ponto mais negro a nível nacional), aproximadamente 2 toneladas de crómio, 101 quilos de arsénico e 144 quilos de cádmio

Mas se estes são os casos mais graves que os dados da Agência Europeia do Ambiente permitiram revelar, não significa que os efeitos das restantes empresas não sejam, pouco significativos. E que conheça já toda a dimensão dos problemas. Com efeito, o sistema de informação da Agência Europeia do Ambiente apenas começou a funcionar este ano e somente a partir de 2007 será exigido às empresas que apresentem os valores das emissões para todas as 50 substâncias previstas numa directivas comunitária. Por exemplo, no caso das perigosas dioxinas – que estiveram no centro do conflito da co-incineração –, apenas uma empresa portuguesa (a fábrica da Maia da Siderurgia Nacional) apresentou uma estimativa das emissões. Mas por analogia com outras empresas europeias é garantido que as centrais térmicas nacionais, as cimenteiras e as centrais de incineração de lixos urbanos em Portugal estarão a emitir quantidades significativas deste poderoso poluente cancerígeno.

«Com a implementação deste sistema, talvez consigamos finalmente conhecer a verdadeira situação da qualidade do ar no país e associá-la aos problemas de saúde das populações», salienta Miguel Oliveira e Silva, dirigente da Cegonha, uma dinâmica associação ambientalista de Estarreja que, há anos e sem sucesso, procura obter informações detalhadas sobre aquele complexo industrial. «O Ministério do Ambiente, através da sua delegação regional, recusa-se sistematicamente a fornecer informação, mesmo quando ocorrem situações críticas, alegando a confidencialidade dos dados», acrescenta. Por isso, em redor de Estarreja e Cacia – martirizadas por uma miríade de indústrias de grande e média dimensão – as queixas são proporcionais ao silêncio das indústrias e das autoridades ambientais.

Um dos casos mais paradigmáticos passa-se com uma empresa metalúrgica do sector automóvel, a Funfrap, que inferniza a vida da população local. Maria dos Prazeres Pinheiro vive nas redondezas desta empresa há cerca de duas décadas e sente na pele e nos olhos os gases que empestam aquele sítio. «O meu médico diz que lave bastante bem as hortaliças, mas nem as chegamos a comer em muitos anos porque estão todas comidas pelos gases», lamenta. E coelhos, já só no supermercado. «Morrem em catadupa, nem vale já a pena tentar de novo». As queixas das populações têm caído em saco roto. Como até agora as autoridades de ambiente nunca forneceram informação sobre as emissões desta empresa, apenas se sabe, através do sistema da Agência Europeia de Ambiente, que emite 200 quilos de chumbo por ano. Somente à medida que, nos próximos anos, forem aparecendo mais informações, talvez se consiga associar os problemas de saúde – das pessoas, dos animais e das hortaliças – com esta fábrica e outras fábricas espalhadas pelo país.

António Pinto, dirigente da ADACE – uma associação de defesa do ambiente de Cacia – receia que este seja um problema tão ou mais grave do que a «famosa» celulose da Portucel, que, aliás, durante a visita da GR estava a emitir colossais quantidade de fumo negro que empestavam aquela localidade num raio de vários quilómetros. Aliás, as celuloses são outro caso de lacunas de informação, uma vez que os dados da União Europeia para aquelas empresas portuguesas somente abrangem, até agora, os poluentes mais clássicos.

Contudo, relacionar a poluição atmosférica das indústrias com a saúde pública não será tarefa fácil em Portugal, pois praticamente não existem estudos epidemiológicos que relacionem os problemas de saúde com a poluição industrial. « Durante a questão da co-incineração chegou-se à conclusão, com uma mera análise estatística que a população de Souselas apresentava maior incidência de afecções respiratórias do que a média nacional, mas foi caso quase único e nem sequer aprofundado», salienta Francisco Ferreira. Contudo, se no caso de Souselas até é relativamente fácil apontar o dedo à cimenteira, em zonas mais industrializadas torna-se mais complexo devido à multiplicidade de fontes de poluição.

Por exemplo, no âmbito de um raro estudo de monitorização a ser desenvolvido pela Lipor – a empresa de lixos do Grande Porto, que possui uma central de incineração – apurou-se que a contaminação por dioxinas já era bastante elevada antes do início da queima de resíduos, mas os culpados dessa situação mantêm-se incógnitos. Em suma, é a típica responsabilização lusitana: a culpa é de todos, em geral, e de ninguém, em particular. Junta-se a isto a confusa compilação de dados médicos. «Nos hospitais não existe nenhuma inventariação da morbilidade e da mortalidade por doenças respiratórias ou por cancros que permitam dados fiáveis para estudos de saúde ambiental», critica Francisco Ferreira.

Não se pense que são somente as grandes empresas que são responsáveis por problemas de poluição atmosférica. As pequenas e médias empresas – e Portugal é um país de PMEs – também dão o seu contributo, distribuindo, literalmente, os males da poluição por aldeias, vilas e cidades. Num estudo abrangendo cerca de 400 empresas monitorizadas entre 1998 e 2000 – cujos resultados foram publicado este ano por João Gomes na revista científica European Enviromental – apurou-se que cerca de um terço das pequenas e médias empresas não cumpriam a lei do ar para as partículas e 22% desrespeitavam os limites para os compostos orgânicos voláteis. Por sua vez, as grandes empresas apresentavam uma taxa de violações da ordem dos 20% para as partículas e de 40% para os compostos orgânicos voláteis. Menos críticas eram as emissões específicas para os óxidos de enxofre e de azoto – onde as taxas de violação se situavam entre 1 e 2%.

No entanto, estas análises são somente relativas às emissões individuais, pois em termos absolutos, Portugal tem sido um dos países da União Europeia com pior evolução para aqueles dois gases. Num relatório da Comissão Europeia, divulgado em Abril, o nosso país aparece numa situação em que dificilmente cumprirá a directiva sobre poluentes acidificantes. Aliás, tal como irá ocorrer com as emissões de dióxido de carbono e de outros gases com efeito de estufa, no âmbito do Protocolo de Quioto. Infelizmente, Portugal decidiu-se pelo lado errado em matéria de produção: poluímos muito e enriquecemos pouco. Não temos consolo algum. Estamos condenados a ser pobres e doentes, em vez de ricos e saudáveis.



A lei do silêncio

Durante três semanas, todos os dias, através de inúmeros contactos telefónicos para a assessoria de imprensa do Ministério do Ambiente e para a Inspecção-Geral do Ambiente, a GR tentou apurar a lista de empresas, número de acções de fiscalização e de contra-ordenações levantadas pelas autoridades nacionais por violações à lei da qualidade do ar. O inspector-geral do Ambiente, Filipe Baptista, mostrou-se sempre incontactável para quaisquer esclarecimentos. Mesmo após o secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins – que confessou desconhecer o sistema de informação sobre poluição industrial da Agência Europeia do Ambiente – ter prometido que seriam disponibilizadas as informações necessárias.

Em todo o caso, as acções de fiscalização do Ministério do Ambiente nos últimos anos quase se têm cingido à análise dos relatórios de auto-controlo das maiores indústrias, que somente monitorizam os poluentes mais clássicos, como sejam os óxidos de enxofre e de azoto e as partículas finas. As acções de inspecção «in loco» são raríssimas e jamais se realizaram durante a noite ou aos fins-de-semana.

De qualquer modo, ainda recentemente a comunicação social revelou que nos últimos quatro anos a Inspecção-Geral do Ambiente levantou 40 contra-ordenações por violações às centrais termoeléctricas da EDP derivadas da análise das medições do auto-controlo. Curiosamente a EDP alega que os valores da legislação não se aplicam às suas centrais, referindo que apenas está «obrigada aos limites específicos decorrente do Plano Nacional de Redução de Emissões (PNRE)». A empresa diz, aliás, ser essa a interpretação de uma outra entidade do Ministério do Ambiente, o Instituto do Ambiente. Ou seja, duas entidades do Ministério de Amílcar Theias têm posições divergentes sobre uma mesma matéria. De qualquer modo, mesmo com estas 40 infracções, a EDP assume-me como uma «empresa responsável e ambientalmente cumpridora», salientando os investimentos de 350 milhões de euros na última década na área ambiental.

No âmbito desta reportagem, quer a EDP quer a Petrogal – as empresas que estão no topo das mais poluentes a nível nacional – foram sondadas no sentido de permitirem visitas surpresa dos repórteres da GR, mas nenhuma se mostrou disponível, alegando motivos de segurança e dificuldades de agenda. A ser concedida autorização, essas visitas – que seriam então realizadas durante o fim-de-semana – permitiram observar também as medições de contínuo dos diversos poluentes. Note-se que os técnicos da Inspecção-Geral do Ambiente podem visitar, sem prévio aviso, qualquer indústria.