REPORTAGENS AMBIENTAIS

ESTRAGO DA NAÇÃO

domingo, outubro 02, 2005

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E O MAR AQUI TÃO LONGE - Grande Reportagem, 24 de Setembro de 2005


Águas revoltas assolaram Castanheira de Pêra neste Verão. Em Julho, a inauguração de uma praia fluvial com ondas artificiais revolucionou este pequeno concelho do distrito de Leiria que estava condenado à morte depois da crise dos lanifícios no início dos anos 90. Mas esta novidade permite agora ao visitantes conhecer também a ciclópica obra de um autarca anónimo. Que vai no terceiro mandato e voluntariamente não se recandidata.


José Sócrates, mentor de uma dezena de estádios do Euro 2004 e citador de frases de gente célebre, escusou-se a comparecer no passado dia quatro de Julho às comemorações do 91º aniversário da fundação do concelho de Castanheira de Pêra. Enviou o secretário de Estado de Desenvolvimento Regional para o substituir. E fez mal. É certo que o menu, convenhamos, parecia pouco apetecível para uma deslocação do mais alto gabarito. Este município é dos mais pequenos e menos populosos do país e o primeiro-ministro teria de assistir a um foguetório, ao hastear da bandeira junto à Câmara Municipal, à abertura de uma exposição, à missa e a uma sessão solene como prelúdio para inaugurar a Praia das Rocas. Além disso, terá pensado o primeiro-ministro, que uma obra de 3,7 milhões de contos, afundada numa praia fluvial atrás do sol-posto, cheirava a elefante branco – tanto assim que o seu «ajudante» trouxe o recado de Lisboa e gastou mais de metade do seu discurso a perorar, qual Frei Tomás, sobre a necessidade de implantar projectos com sustentabilidade económica.

Sócrates, repete-se, fez mal. Com a sua ausência perdeu, por um lado, um eloquente discurso do presidente da autarquia, Pedro Barjona, de que certamente gostaria, por ter incluído muitas citações de gente célebre, como Francis Bacon, Séneca, Eça de Queirós, Fernando Pessoa e Miguel Torga. Por outro, mais importante, o seu nome não ficou assim gravado na placa da inauguração de uma obra que está a ser um fenómeno de atracção e um sucesso económico. Uma obra que este ano colocou Castanheira de Pêra no mapa turístico do país e que, no futuro, «ameaça» salvar este município da crise social que o definhava há mais de uma década.

Logo a seguir à sua inauguração, a comunicação social começou a divulgar os números de visitantes da Praia das Rocas: em dias da semana, mais de três mil; aos fins-de-semana ultrapassava os cinco mil. Chegou mesmo, dissesse, a suplantar as seis mil pessoas. Contudo, tanta gente em tão pequena terra para acorrer a um equipamento lúdico é motivo para desconfiar. Mandam, aliás, as regras do bom jornalismo ser-se tão céptico como São Tomé. Ou seja, ver para crer! Afinal, já se sabe que, em matéria de números, os portugueses confundem o oito com o oitenta, basta para isso notar as discrepância entre, por exemplo, as percentagens de adesão às greves apresentadas pelo Governo e sindicatos. Mais esta dúvida se deveria colocar em relação a Castanheira de Pêra, uma vila com pouco mais de dois milhares e meio de almas, menos de quatro mil em todo o concelho que ocupa uns meros 69 quilómetros quadrados. Além disso, este pequeno município do interior do distrito de Leiria jamais é terra onde se pare de passagem. A via rodoviária com mais frequentada nas proximidades é o pacato IC8 – que liga a zona de Pombal a Castelo Branco – e mesmo assim para se chegar até à vila é-se obrigado a fazer um desvio de meia dúzia de quilómetros. Ou seja, só de propósito lá se vai, nunca por acaso.

No entanto, se é necessário ir à Praia das Rocas ver para se acreditar, ao chegar não se acredita no que se vê. Do cimo de um viaduto que atravessa a ribeira de Pêra, olha-se para o lado direito e julga-se que alguém, não se sabe como, transplantou um pedaço de uma praia tropical do tamanho de um campo de futebol para a encaixar a oitenta quilómetros do litoral português. Não faltam as palmeiras, nem os sombreiros de palha, nem as toalhas estendidas, nem um mar de gente que flutua em duas enormes piscinas de águas azuladas – uma circular, com uma ilha central, e outra mais pequena, rectangular. Contar os visitantes para confirmar a veracidade dos números propaladas é tarefa que se torna irrelevante. São muitas as gentes que ali estão, de todos os tamanhos e feitios – homem e mulheres, crianças e velhos, magros e gordos, esbeltos e pançudos. Não é uma praia, é uma miragem. É desconcertante!

Para um urbano temente da confusão das praias litorais, confessa-se que a Praia das Rocas não tem qualquer encanto. Aquilo parece a Quarteira ou a Costa da Caparica em dias de domingo de Agosto. E é artificial até à última escala. Mas, paradoxalmente, além de ser um equipamento que «poupa» uma deslocação de oitenta quilómetros até ao mar, é exactamente no seu artificialismo que reside o seu rotundo sucesso. A Praia das Rocas tem ondas de mar, que começam a hora certa! «Possuímos um equipamento importado da Holanda que permite, através de dois compressores e de uma dezena de electroválvulas, produzir quatro tipo de ondas com duas intensidades distintas», salienta António Carreira, administrador da Prazilândia, a empresa municipal responsável pelo projecto. E se dúvidas houvessem sobre ser a causa do fenómeno bastou aguardar pelo sinal sonoro que anuncia as ditas ondas. Da piscina circular, do «areal», do café-esplanada, de todo o lado, é um corrupio de pessoas que correm e nadam até ao tanque rectangular, ansiando a artificiosa ondulação. São dez minutos em que somente não se ouve o barulho monótono das electroválvulas porque se sobrepõem os contínuos gritos de entusiasmo dos banhistas. São apenas 10 minutos em cada sessão – para não provocar afogamentos –, mas que, no fim, é coroado por brados de satisfação e aplausos como se jamais outra coisa houvesse de semelhante.

Provincianismo? Bacoquismo? Nada disso! E quem assim o julgar está contaminado de snobismo. Aliás, acusações já as houveram muitas em Castanheira de Pêra sobre a Praia das Rocas: enquanto estava em construção muitas vozes a apelidaram de megalomania. Calaram-se, entretanto. Convém, aliás, referir que não se descobriu a roda. Esta praia fluvial é uma réplica daquilo que já existe, por exemplo, no Japão, na Coreia do Sul ou na África do Sul, países que não são propriamente provincianos, nem bacocos, nem megalómanos. «Em Portugal não precisamos de ser muito inteligentes nem muito criativos; como estamos mais atrasados do que os outros países, basta-nos olhar os modelos que são bem sucedidos e copiá-los», defende Pedro Barjona. «Quando visitei o Japão, constatei que as praias artificiais chegavam a ser mais frequentadas do que as praias naturais que estavam a poucos metros de distância», salienta.

Certo é que, pelo exotismo, a Praia das Rocas tornou-se a coqueluche de Castanheira de Pêra, que em poucas semanas transformou a pequena vila, trazendo pessoas de todos os cantos do país, curiosas de verem um rio ter ondas como o mar. A única albergaria, com apenas onze quartos, que estava a metade de ocupação num Verão normal, esgota agora a sua capacidade de alojamento. Já há quem alugue quartos particulares. As pequenas mercearias agora até já abrem aos domingos. O próprio restaurante da Praia das Rocas teve de se adaptar a tanta afluência. Começou por empregar quatro pessoas, agora chegam às 15. «Apenas servimos sopas e sandes para darmos vazão a tanta procura», salienta Cláudia Avelar, gerente deste equipamento. Em dia médio são servidas 700 sandes, mas já se atingiram as 1200. Gelados é um ver se te avias, que dois mil se esgotam num fim-de-semana. Cerca de 75 quilos de café não «sobrevivem» mais do que uma semana.

No entanto, os restaurantes da vila também beneficiam deste banquete de gentes ávidas de banhos, mas que também comem. «Quem compra bilhete pode sair e entrar sempre que assim o entender», salienta António Carreira. «A nossa intenção não foi apenas o negócio dentro da praia fluvial, mas sim que todo o sector de comércio e restauração seja favorecida», acrescenta. E, de facto, assim tem acontecido. Qualquer café e restaurante da vila duplicou a sua facturação. «Agora servimos cerca de 180 almoços por dia», refere Joaquim Conceição, o satisfeito proprietário da Albergaria do Lago, que se situa em redor da pequena represa que sustenta a Praia das Rocas. Enfim, o sucesso tem sido tal que já existe projecto para duplicar os alojamentos desta residencial.

A Praia das Rocas pode ter algo de kitsch, mas acaba por ser a peça fundamental de um projecto muito avant-garde de desenvolvimento de uma concelho que, de outra forma, estaria condenado à morte. Pedro Barjona sabe – e isso mesmo o disse no discurso de inauguração que José Sócrates não assistiu – que o Homem, por qualquer atavismo biológico universal, é um ser desconfiado e avesso às mudanças, extremamente cioso das suas convicções, agarrado a recordações e hábitos. Com um espírito condicionado e que, por isso, lhe falecem as forças da argúcia e da clareza. Mas o presidente Pedro Barjona quis ser uma excepção. Embora denote ser «cioso das suas convicções», teve a visão de se desgarrar da nostalgia dos tempos antigos.

Estas foram, de facto, terras pujantes de vida económica num passado remoto. Tanto assim que em 1914 a então freguesia do concelho de Pedrógão Grande se separou para constituir uma município autónomo. Aproveitando a sua localização junto à serra da Lousã, a ribeira de Pêra e a água dos seus afluentes fizeram brotar a indústria dos lanifícios, ainda não tinha caído o pano do século XIX. As águas foram, numa primeira fase, fundamentais como fonte de energia e, mais tarde, como caneiro de esgotos. O pequeno concelho floresceu e chegaram a existir mais de uma dezena de grandes fábricas, na primeira metade do século XX, mesmo uma que empregou mais de mil pessoas. Castanheira de Pêra era então um dos principais centros industriais do país no sector dos lanifícios.

Mas os tempos, contudo, mudaram. «Sobreveio uma crise estrutural após a entrada na CEE, devido aos acordos comerciais que restringiram as quotas», salienta Pedro Bajorna, ele próprio um antigo empresário deste sector. Por isso, o declínio dos lanifícios arrastou toda a economia local. Nos finais dos anos 80 ainda existiam 14 fábricas, três das quais com mais de 200 empregados, mas nem a tentativa de recuperação do Plano Mateus, na segunda metade da década de 90 salvou este sector. Hoje, subsistem apenas duas pequenas fábricas – uma das quais produz os famosos barretes de Sarnadas, usadas pelos campinos e pescadores da Nazaré – que empregam apenas 150 pessoas.

Não é, por isso, de estranhar que Castanheira de Pêra tenha sofrido nos anos 90 uma sangria demográfica e um profundo envelhecimento da sua população. De acordo com os dados dos Censos de 2001, este município foi aquele que no distritos do litoral da região Centro – Aveiro, Coimbra e Leiria – mais população perdeu: 16%. Mas mais grave ainda foi a fuga de população activa que, portanto, provocou um enorme decréscimo da taxa de natalidade. Enquanto em 1991 existiam 755 jovens com menos de 15 anos, uma década depois desceu para 487 – um impressionante decréscimo de 35%! Ao invés, a população idosa – com mais de 65 anos – aumentou, mesmo tendo em consideração a forte despovoamento. Se no início dos anos 90 um em cada cinco castanheirense era reformado, agora subiu para um em cada quatro.

Perante esta evolução demográfica e social tão negra, Pedro Barjona somente viu um caminho: o turismo. Mas não um turismo qualquer, nem apresentado sob forma vaga. «A única coisa que Castanheira de Pêra tinha para oferecer era o verde da sua paisagem, mas isso é um conceito de turismo muito abstracto, porque os pinheiros daqui são iguais aos pinheiros de outro lado. Tinha de se criar outros pólos de atracção», defende. No entanto, havia um hercúleo obstáculo: num concelho tão pouco populoso e isolado, investidores não existiam. A única alternativa passava pela autarquia, embora solução complicada, uma vez que o orçamento municipal ronda os três milhões de euros, dos quais 90% são provenientes das transferências do Estado. Ao contrário de concelhos urbanos do litoral que recebem entre 30 e 40% de receitas da construção civil, em Castanheira de Pêra não ultrapassam os 4%. Por exemplo, recebe apenas 50 mil euros por ano de contribuição autárquica, qualquer coisa como o equivalente a dois prédios de 10 andares novos em Lisboa.

Mas há sempre alternativas. E a mesma Europa que afundou os lanifícios, deu a tábua de salvação. «Com os projectos que apresentámos, conseguimos ser um dos concelhos que mais fundos comunitários recebemos per capita», destaca Pedro Barjona. Foi deste modo que conseguiu assim verbas suficientes para a Praia das Rocas, uma vez que a Comissão de Coordenação da Região Centro (CCRC) aprovou o projecto com um apoio de 70% a fundo perdido. «A Praia das Rocas, aproveitando-se de um recurso natural abundante na região, a água, era um projecto inovador num concelho do interior, diferente daquilo que geralmente é proposto pelas autarquias», salienta Armando de Carvalho, coordenador do Programa Integrado do Pinhal Interior Norte da CCRC. Este responsável admite que «embora fosse uma obra arrojada, constituía talvez a única forma de inverter a crise económica de um concelho em forte declínio. Por vezes é preciso arriscar para ganhar, embora houvesse sinais de que a Praia das Rocas era um projecto sustentado numa dinâmica mais global desta vila».

E para já, a aposta está ganha, mesmo em termos financeiros para a autarquia. Apesar de ser gratuito para crianças com menos de 10 anos e os restantes preços de acesso serem bastante baixos – um adulto paga 2,5 euros, adolescentes e idosos apenas um euro –, as receitas provenientes da Praia das Rocas já têm um peso significativo nos cofres da autarquia. «No mês de Agosto, representou cerca de 250 mil euros, o que é uma verba superior às transferências do Estado para esse mês», destaca Pedro Barjona.

No entanto, se a Praia das Rocas é o íman, muitos outros ousados projectos estão em curso ou já concluídos. Todos com o objectivo de fixar os visitantes, de preferência durante todo o ano. «Não há turismo sazonal, se houver diversificação da oferta. E é isso que se está a criar», defende Pedro Barjona. E, de facto, assim é: por vezes usando formas desconcertantes e, portanto, que se arriscam também a ser um sucesso. Se a praia fluvial serve para banhos durante o Verão, a autarquia pretende dar-lhe outros usos nos restantes meses. «Existem já contactos para que escolas de surf se treinem aqui durante o Inverno, pois as ondas podem ser manipuladas para esse fim», refere António Carreira. Para além disso, a autarquia, através da empresa Prazilândia, está a aumentar a possibilidade de alojamento com uma oferta diferente, surpreendente: vários bungalows nas margens da represa estão a ser construídos e, em breve, também estarão disponíveis quatro veleiros e uma lancha, estacionados nas margens, para permitir uma noite diferente em água doce.

Além disso, já também em idealizado para avançar um parque aquático – que se chamará Prazilândia –, na encosta da margem direita da ribeira de Pêra, defronte à Praia das Rocas, que por sua vez ligará ao belo e bem cuidado jardim botânico que pertenceu à casa do célebre médico Bissaya Barreto, natural de Castanheira de Pêra.

Se estes projectos são arrojados, imagine-se então a criação, a montante da Praia das Rocas de uma galeria de bares, baptizado com mais um inaudito nome: Aqualáxia. «A ideia é criar uma zona de lazer e restauração, com esplanadas sobre a ribeira e com ligação à Praia das Rocas, sobre a qual existirá um percurso pedonal e ciclovia», esclarece Pedro Barjona. E já agora, acrescente-se, que esta zona se ligará à «menina dos olhos» do autarca: a Praça da Notabilidade, mais uma insólita designação, que é, aliás, uma imagem de marca dos projectos deste autarca. Embora a falência de um empreiteiro tenha atrasado a conclusão desta obra, será um espaçoso centro de lazer e serviços, constituído por área de comércio, restaurantes, campos de ténis, escola de golfe e um auditório de teatro e cinema. Nas imediações, junto às actuais escolas do segundo ciclo e secundária será construída uma escola primária e uma pré-primária, além de uma biblioteca púbica – uma espécie de «campus escolar» de Castanheira de Pêra. Ou seja, quando tudo estiver terminado, pode-se percorrer cerca de um quilómetro, em forma de U, com uma vasta oferta para os turistas e a população local.

No interior da vila também se notam grandes mudanças que Pedro Barjona diz serem «fruto de uma estratégia bem gizada para dar qualidade aos habitantes do concelho e também aos visitantes». Embora as partes mais antigas e labirínticas da vila denotem alguns problemas no pavimento, as vias principais são arejadas, limpas e bem tratadas, com recantos ajardinados. E não há prédios e mamarrachos; apenas um ou outro banco, mas isso é, infelizmente, mal que grassa no país inteiro. «Transformei uma aldeia que nem passeios tinha numa pequena cidade bem ordenado e com bons equipamentos», sustenta o autarca com indesmentível orgulho – que, convenhamos, até parece merecido. Castanheira de Pêra tem mais oferta de equipamentos que muitas cidades de média dimensão. Exemplo disso é o Fórum Activo, um espaço para espectáculos ao ar livre, que engloba um parque infantil e um moderno bar. E que tem também um outro inusitado ponto de atracção, procurado pelos turistas para fotografias: uma gigantesca raposa verde, construída com relva artificial. Outro caso interessante, com uma arquitectura bem enquadrada, é a Casa do Tempo, que serve de centro de exposições e posto de turismo.

Aliás, o dedo de Pedro Barjona estende-se por todo o lado – ele que assume ser um autarca uma espécie de «monarca». Nem a dita arte pública «escapa». Por exemplo, as esculturas colocadas nas rotundas são da sua autoria, o que, independentemente da qualidade artística – sempre subjectiva –, possui, pelo menos, o condão de ter saído barata aos bolsos dos contribuintes. Confessamos, aliás, que a sua escultura, dedicada aos 500 anos da freguesia de Castanheira de Pêra – que se comemorou em 2002 –, até é uma solução bem conseguida face ao insólito tema a que alude: do cajado à Internet! E o mesmo se aplica à escultura dedicada ao vento – que faz todo o sentido, sobretudo agora que na colina a oeste da vila está a ser implantado um enorme parque eólico – e também à outra que evoca a indústria de lanifícios com as armas do município.

Este quase ciclópico dinamismo da autarquia na intervenção no espaço público – que passou despercebido ao país – é também o fruto de uma estratégia que foi semeado no passado. Ao longo dos anos, a autarquia foi adquirindo terrenos em todo o perímetro urbano. Actualmente, é o principal proprietário da vila. «Gastámos cerca de cinco milhões de euros na aquisição de terrenos, de modo que a autarquia tem o poder absoluto para decidir o rumo da vila, evitando assim a especulação e as opções urbanísticas desajustadas por imposição dos provados», destaca Pedro Barjona. «Por exemplo, no futuro a Praia das Rocas não deverá ter construções, restaurantes e cafés que desqualifiquem a zona, o que a acontecer seria bastante prejudicial», adianta. A aposta da autarquia é agora de crescimento sustentável, com qualidade, sem olhar apenas ao lucro fácil nem a aproveitar-se do sucesso. «No início do projecto da praia fluvial contactei uma rede de hotéis para se instalarem cá. Responderam-me que primeiro trouxesse as pessoas. Elas já aí estão, mas se agora quisessem construir o hotel, a autarquia até cederia o terreno», diz o autarca.

Aliás, paradigmático que a autarquia de Castanheira de Pêra não tem «olho» para as negociatas do imobiliário – que são apanágio da generalidade dos municípios das áreas urbanas do litoral – encontra-se num loteamento urbano que Pedro Barjona dinamizou há cerca de três anos. O preço por metro quadrado, já infraestruturado, foi uma pechincha: cinco euros por metro quadrado. «Os 50 lotes foram vendidos em menos de um ano, sobretudo para segunda habitação. Hoje estariam mais valorizados com a Praia das Rocas, mas a intenção da autarquia foi imprimir uma dinâmica no emprego na construção civil para amenizar o desemprego do concelho, uma vez que havia a obrigatoriedade de construção no prazo de dois anos», salienta.

Com todos este chamarizes, Castanheira de Pêra tem, assim, condições para mostrar as suas outras belezas naturais, como a sua (ainda) verde floresta – que a par da Lousã tem sido poupada aos incêndios, não apenas devido à sorte –, onde se destaca, por exemplo, algumas cascatas e a zona de Santo António das Neves – local onde no século XVIII se armazenava a neve para abastecer a nobreza e burguesia de Lisboa – que constitui um miradouro extraordinário, desde a serra da Estrela até ao mar.

No entanto, Pedro Barjona já não irá, como autarca, assistir ao quase certo êxito dos seus feitos em Castanheira de Pêra, como corolário dos 12 anos à frente desta pequena autarquia. Apesar de uma mais que garantida recondução – recorde-se que em 2001, quando o PS sofreu uma hecatombe eleitoral, ele foi reeleito com 61% dos votos –, ter conseguido, com a Praia das Rocas, recolocado o município no mapa de Portugal e lhe dar um novo alento e autoconfiança no futuro, decidiu não se recandidatar. «Foi uma auto-imposição, que quis cumprir», salienta este independente que diz «nunca ter pretendido fazer carreira política e que, por isso, jamais se filiou no Partido Socialista», em cujas listas concorreu. Mas quando se insiste, ao se estranhar que «abandone o barco» quando a derrota se está a tornar numa vitória, acaba por revelar que «gerir uma autarquia é um luxo do ponto de vista financeiro». Na verdade, um autarca de um pequeno concelho ganha cerca de 2500 euros líquidos, menos de que um vereador de um concelho de grande dimensão. Por outro lado, quase não consegue esconder o cansaço e a ingratidão que este esforço lhe tem causado. «Quem corre por gosto não cansa, mas se calhar estou já um bocado cansado», confessa.

Mas se Pedro Barjona, mesmo sendo um personagem algo enigmático, e mesmo dizendo, parafraseando Miguel Torga, que «há mais encanto na partida que na chegada», é quase certo que vai deixar saudades na terra. Castanheira de Pêra não mais será como antes. Agora está «condenada» mais do que a sobreviver; a se desenvolver. Queiram isso os seus sucessores. E não seria de todo desadequado se o país político, José Sócrates incluído, olhassem para a obra de um autarca de um município esquecido, não apenas para apreender as frases célebres que usa nos seus discursos, mas sobretudo para aprender como dar esperança e desenvolvimento aos portugueses.