REPORTAGENS AMBIENTAIS

ESTRAGO DA NAÇÃO

domingo, julho 01, 2007

A região do Oeste e Vale do Tejo é uma das principais regiões agrícolas de Portugal, mas a maior competitividade e liberalização deste sector a nível internacional colocam agora a necessidade de reconversões e maior aposta na inovação. Se isso não acontecer quase cem mil hectares de solos agrícolas estão em risco de abandono, provocando o desemprego de cerca de vinte mil pessoas.

As estatísticas teimam em mostrar um cenário sombrio para a agricultura nacional. O embate no sector agrícola português decorrente da entrada do nosso país na União Europeia tem sido particularmente danoso, e isso mesmo se constata na quase generalizada regressão da área agrícola e das produções nas principais culturas.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística, entre 1990 e 2005 apenas se registaram, a nível nacional, aumentos nas produções de azeite, tomate e beterraba. De resto, o cenário é de diminuição generalizada – por vezes superiores a 50% –, designadamente na superfície cultivada e das produções no trigo, milho, centeio, arroz, aveia, cevada, feijão, grão-de-bico, batata e tabaco. Eis uma consequência das políticas agrícolas comunitárias que “obrigaram” o país a abandonar muitas zonas agrícolas, por via da perda de competitividade sobretudo das pequenas explorações. O país, que até aos anos 70 do século passado ainda era maioritariamente rural – quer a nível populacional quer de mão­‑de-obra –, está agora a alimentar-se sobretudo de produtos vindos do estrangeiro.

As regiões do Oeste, da Lezíria do Tejo e do Médio Tejo não fogem a este quadro, embora em muitos casos estejam a sofrer em menor grau os efeitos da regressão da agricultura em Portugal. Em todo o caso, em alguns indicadores é evidente a sangria, sobretudo nas regiões do Oeste e Médio Tejo. No primeiro caso, durante os anos 90, verificou-se uma redução de 42% e 23% no número de explorações agrícolas e na área cultivada, respectivamente. No segundo caso, as diminuições cifraram-se nos 41% e 23%. Em relação à Lezíria do Tejo, a evolução foi mista: a área agrícola aumentou quase 20%, mas verificou-se, em simultâneo, uma redução de cerca de nove mil explorações, indicando assim que foram os pequenos e médios agricultores que acabaram por ser os mais afectados.

As consequências deste fenómeno de regressão também se fizeram sentir, obviamente, no emprego agrícola. No Médio Tejo apenas cerca de 2,5% da população activa vive agora do trabalho da terra. Na Lezíria do Tejo – uma das regiões mais tradicionalmente agrícolas do país – já pouco ultrapassa os 10%, pouco superior àquela que se dedica à construção civil. Na região do Oeste, a redução nas culturas vegetais tem sido compensada por uma maior aposta na pecuária, sobretudo ao nível da suinicultura e da avicultura, bem como em toda a pujante indústria de rações. Nesta pequena zona do país existem, actualmente, 36% das aves e 33% dos suínos do país.

Porém, o reverso da medalha faz-se sentir a nível ambiental. Por exemplo, nos municípios do Cadaval, Caldas da Rainha, Lourinhã, Sobral de Monte Agraço e Alcobaça existem mais porcos do que pessoas. E face à grande carga orgânica dos esgotos das suiniculturas, só os porquinhos de Alcobaça representam uma poluição equivalente à população humana de Lisboa! A degradação de algu­mas das linhas de água da região Oeste é, aliás, uma evidência que, a ser resolvida, implicará necessariamente o encerramento de algumas destas suiniculturas, sobretudo as de menores dimensões.

Francisco Avillez, professor do Instituto Superior de Agronomia e coordenador da componente agrícola do Plano de Ordenamento do Oeste e Vale do Tejo (PROT-OVT), refere que a nova realidade desta vasta região não mostra necessariamente uma estagnação. “Existe, em certa medida, uma redução das culturas de carácter mais extensivo, que se transformaram em prados, mas as produtividades melhoraram e intensificaram-se algumas culturas”, salienta.

Neste aspecto, Francisco Avillez salienta como factos positivos, no Oeste, a componente pecuária, a par dos pomares de pêra­‑rocha, dos produtos hortícolas em estufas e do vinho. No caso da Lezíria, com culturas de carácter mais extensivo – por via também da maior dimensão das propriedades – de milho, beterraba, hortícolas, vinha e também a produção de gado, neste último caso em complemento com o montado, sobretudo na zona de Coruche e Chamusca. Já em relação à zona do Médio Tejo, o cenário parece ser menos atractivo, salientando-se sobretudo a pequena policultura e a floresta, se bem que os fogos dos últimos anos tenham retirado importância económica neste sector.

Na opinião de Francisco Avillez, o grande desafio para os próximos anos na agricultura desta região é encontrar estratégias para acompanhar as necessidades de um mercado cada vez mais liberalizado. Por isso mesmo, o principal objectivo da sua colaboração no PROT-OVT tem sido traçar cenários possíveis para o futuro. Mas tendo sempre em consideração as especificidades de cada zona agrária.

Assim, face à conjugação de vários critérios, foram já criadas sete zonas homogéneas, a saber: concelhos agrícolas do Oeste Litoral (Bombarral, Caldas da Rainha, Lourinhã, Óbidos, Peniche e Torres Vedras); e do Oeste Interior (Alenquer, Arruda dos Vinhos e Sobral de Monte Agraço); concelhos florestais do Oeste (Alcobaça, Cadaval, Nazaré e Rio Maior); concelhos agrícolas da Lezíria (Almeirim, Alpiarça, Azambuja, Cartaxo, Golegã e Salvaterra de Magos); concelhos agrícolas do Bairro (Alcanena, Entroncamento, Torres Novas e Santarém); e concelhos agro-florestais da Charneca (Benavente, Chamusca e Coruche). Em cada uma destas sub-regiões serão definidas estratégias articuladas.

Para este responsável, nestas sub-regiões, a evolução futura da agricultura, e o seu sucesso, vai depender fortemente da dimensão económica das explorações e da dependência que cada um dos sistemas agrícolas em relação às políticas agrícolas em vigor, quer ao nível da União Europeia quer ao nível da Organização Mundial do Comércio. E a palavra de ordem será adaptar para sobreviver e aumentar a competitividade. Com efeito, o progressivo desmantelamento das medidas de suporte de preços de mercado, implicou que a nível comunitário os preços – que até há pouco tempo eram “protegidos”, através de subsídios à produção – passassem progressivamente a aproximar-se dos preços mundiais. Ou seja, a competitividade tornou-se mais feroz. Em suma, deixou de ser rentável produzir apenas para receber o subsídio. De acordo com os estudos no âmbito do PROT-OVT estima-se mesmo que cerca de 22 mil explorações ocupando quase 100 mil hectares – e que empregam um pouco mais de 20 mil pessoas – têm a sua sustentabilidade económica ameaçada por via destas novas políticas agrícolas.

Neste novo cenário, a única escapatória para as unidades de explo­ração com menores produtividades, por via de condicionalismos da própria fertilidade dos solos, passa a ser aproveitar os apoios ambientais. “Muitas zonas, sobretudo na charneca, têm uma valia importante ao nível da conservação, com a componente agrícola, pelo que será interessante apostar nesse sector”, salienta, acrescentando que “isso não significa um abandono agrícola, pelo contrário”. Outra solução será a agricultura biológica, um nicho que se torna cada vez mais atractivo, se bem que com regras muito exigentes.

Quanto às culturas tradicionais, aquele responsável considera que existem boas condições de sobreviver num mercado internacional competitivo para as culturas hortícolas, frutos, vinho, azeite e a pecuária agregada à componente ambiental. Porém, em alguns casos, haverá necessidade de reformular processos. “Por exemplo, o vinho da zona do Oeste tem dificuldades de se livrar de um ‘rótulo’ de má qualidade, porque até agora a sua qualidade tem-se genericamente vindo a degradar e a sua produção é sobretudo para exportação em mercados pouco atractivos, como Angola.” Por isso, poderá haver necessidade de reconversões de castas ou, simplesmente, a alteração de culturas em zonas actualmente ocupadas pela vinha.

Em todo o caso, os estudos do PROT-OVT estimam que, no futuro, a viabilidade está assegurada em 257 mil hectares distribuídos por 27 mil explorações, que empregam cerca de 39 mil pessoas. Porém, num mercado bastante instável – ou melhor, em que as leis da oferta e da procura se modificam rapidamente –, uma cultura desfavorável economicamente pode passar a ser favorável nos anos seguintes. Exemplo disso passa-se com o milho. “Estava a atravessar uma fase complicada, com os preços baixos que impli­cavam uma paulatina redução da área de cultivo, mas isso modificou-se com a possibilidade que se abriu com a produção de bioetanol”, salienta Francisco Avillez. Esta nova forma de combustível automóvel – que será obrigatório introduzir em 10% na gasolina e gasó­leo dentro de poucos anos – acabará por ser a tábua de salvação para esta cultura. “Não só mantém, em princípio, os preços mais elevados do que anteriormente, como pode garantir um abastecimento de matéria-prima nacional no caso de se optar por criar unidades de produção de bioetanol em Portugal”, advoga Francisco Avillez, referindo que, nessa situação, se poderia destinar 25 mil hectares de cultura de milho por ano nesta região.

Outro sector agrícola que também atravessa agora um melhor momento é o arroz, sobretudo cultivado no vale do Sorraia, que tem estado a beneficiar de um aumento dos preços da ordem dos 50% em relação aos anos anteriores. “Esta foi uma agradável ­surpresa, derivada da redução da oferta a nível internacional, caso contrário estar-se-ia a atravessar problemas”, diz Francisco Avillez.

No entanto, nem tudo serão rosas, pois existem culturas que poderão, com a recente liberalização do sector agrícola e a redução dos subsídios comunitários, atravessar por problemas de sustentabilidade económica. O caso mais evidente passa-se com o tomate, cuja indústria de processamento de concentrado está sobretudo situado na zona do Ribatejo. Como oito das 11 fábricas nacionais de tomate se situam na região do Ribatejo, Francisco Avillez teme que, perante as actuais condições impostas pela União Europeia, apenas duas possam ser competitivas. Com efeito, se é certo que agora existe terreno disponível para aumentar a produção de tomate – o que antes não era possível aproveitar, por via das quotas impostas pela União Europeia –, o fim dos subsídios implicará um agravamento dos custos de produção. E as indústrias não terão possibilidades de receber o tomate de zonas com menor rentabilidade.

Paralelamente a estas questões, um dos aspectos que o PROT-OVT também terá de equacionar relativamente à componente agrícola é a forma como se fará a gestão das zonas actualmente classificadas como Reserva Agrícola Nacional (RAN). Ou seja, saber se haverá “flexibilidade” para desanexar algumas destas áreas alocando-as a usos não agrícolas – como, por exemplo, turismo ou mesmo construção de habitações em espaço rural – ou se se man­terão inalteradas independentemente de possuírem, actualmente, uso agrícola. Esta é, aliás, porventura a questão mais polémica a ser dirimida na fase de aprovação deste plano.