Entrevista (não editada) a João Soares, publicada na revista Notícias Sábado de 13 de Outubro de 2007
Questão prévia: causou polémica a proposta da ex-vereadora Maria José Nogueira Pinto de se impor quotas às lojas chinesas na Baixa e, em alternativa, criar-se uma Chinatown em Lisboa noutra zona. Que comentário lhe suscita?
Eu estive recentemente com Maria José Nogueira Pinto e ela esclareceu-me que não tinha dito aquilo que surgiu na imprensa. Eu não comento coisas que são espuma mediática de declarações descontextualizadas. Não é justo.
Em todo o caso, quando era presidente da autarquia até já existia essa ideia, não?
Já havia um embrião de Chinatown em alguns espaços comerciais na envolvente do Martim Moniz. Essas coisas surgem naturalmente, por iniciativa da própria comunidade.
Nunca por via administrativa, portanto...
Nem isso era possível nem fazia sentido.
Estamos numa esplanada da Praça das Flores. Preferia estar a conceder esta entrevista naquele que foi o seu gabinete na Praça do Município?
Esse gabinete está agora muito bem ocupado por um amigo meu, que às vezes também passa por esta esplanada que é uma das mais bonitas de Lisboa.
Já falou com António Costa desde que foi eleito presidente da autarquia lisboeta?
Ainda há dias estive com ele no jantar do aniversário da SIC.
E quando está com ele, dá-lhe conselhos ou ele pede-lhos?
Não lhos dou nem ele precisa de conselhos.
Sente saudades de estar na Câmara de Lisboa?
Não. Eu sou um homem que vive bem com a vida e a olhar permanentemente para o futuro. Eu acho que o melhor está sempre para vir.
O seu nome chegou a ser ventilado como candidato socialista às eleições de Julho...
Quando tenho um gosto ou interesse forte por algo exponho-o com toda a clareza. Acho que, passe a imodéstia, isso me distingue pela positiva da generalidade dos políticos. Neste caso, perante o descalabro total da autarquia de Lisboa – que tinha estado ligado com tanta intensidade e emprenho durante 12 anos –, manifestei a minha disponibilidade, Mas não um interesse. Até porque há o velho provérbio que diz não se dever voltar aos sítios onde se foi feliz. A solução que foi escolhida pelo Partido Socialista saiu vitoriosa e teve o meu apoio.
Mas se ambicionasse ser candidato e não fosse aceite pelo partido, tomaria a mesma decisão de Helena Roseta?
Com todo o respeito, não. Para mim está fora de questão exercer actividade política fora do quadro partidário. Eu sou um democrata genuíno que sempre defendi a existência de partidos e continuo a acreditar nas suas virtudes. Em todo o caso, acho que os partidos precisam de reformas e que sofrem de algum descrédito.
Isso notou-se particularmente em Lisboa, com dois candidatos independentes (Carmona Rodrigues e Helena Roseta) a receberem mais de 25% dos votos. Foi um sinal dos eleitores?
Claro que sim. Depois do 25 de Abri, os partidos tiveram o monopólio da actividade política a todos os níveis e só a pouco e pouco se foi abrindo a possibilidade de candidaturas independentes. Do meu ponto de vista, menos do que seria aceitável. Eu sempre defendi que as candidaturas deveriam ser apresentadas por grupos de cidadãos e depois assumidas pelos partidos políticos, como em França. Os partidos nem sempre têm consciência das realidades locais e isso torna-se dramático, pois há, de facto, um défice de representatividade ao nível das autarquias e sobretudo no Parlamento.
Em Julho foi publicado o livro «Eleições Viciadas?», do jornalista João Ramos de Almeida sobre as eleições em Lisboa de 2001, em que perdeu para Santana Lopes. Leu-o?
Ainda não, na sua totalidade. Mas sei que se baseia num trabalho muito interessante, que respeito e admiro, do meu velho amigo Alberto Silva Lopes, que entretanto faleceu. Porém, pessoalmente não estou convencido que tenha havido uma viciação das eleições que tenha causada a minha derrota. Perdi-a por opção dos eleitores.
Esse livro, na sinopse, destaca as «numerosas discrepâncias reveladoras de um processo de escrutínio eleitoral (...) significativamente permeável a erros, à adulteração, intrusão ou intenção dolosa de alterar o sentido de voto dos eleitores». Isto parece grave num sistema democrático...
Vamos separar as coisas. Em primeiro lugar, em Portugal há já uma rotina que se estabeleceu que leva que os membros das mesas eleitorais tenham agora menos precaução e atenção, que podem causar pequenas irregularidades, mas sem distorcer o sentido do acto eleitoral. Não tenho conhecimento de, no pós-25 de Abril, eleições com fraudes. No âmbito das minhas funções na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) já acompanhei mais de uma dezena de actos eleitorais e já vi viciações à partida. Como, por exemplo, na Bielorrússia, onde as urnas fechavam às cinco ou seis horas da tarde e às 11 da manhã às televisões já se estavam a dar os resultados. Isso em Portugal não acontece.
Não contestou por receio de abrir uma caixa de Pandora, ou não quis vencer na secretaria?
Passe a imodéstia, eu acho que perdi de forma injusta. A generalidade dos lisboetas até talvez tenha reconhecido que fizeram uma asneira quando elegeram Santana Lopes. Mas a verdade é que houve uma maioria relativa que se deixou seduzir por aquele senhor vindo da Figueira da Foz com a imagem de que tinha colocado aquele concelho no mapa.
Criticaram-no por ter sido algo displicente durante a campanha e de ter cometido erros na condução do processo do elevador do Castelo, acabou abortado por contestação pública...
O processo do elevador é talvez uma das causas próximas da minha derrota. Mas eu fiz a campanha com empenho. Achei sempre que os lisboetas tinham condições para decidir a partir do perfil e do trabalho que cada um tinha feito. E nunca fui homem de propaganda e de me meter a fazer promessas do género de meter o Parque Mayer a funcionar em oito meses ou criar 250 mil casas para jovens no centro histórico.
Perdeu então por causa do populismo de Santana Lopes?
Não gosto da expressão populismo.
Já imaginou que se não tivesse perdido as eleições de 2001, porventura António Guterres não se teria demitido e Santana Lopes não ganharia projecção. O país político seria agora muito diferente...
Isso não tenho a menor dúvida. Santana Lopes nunca teria sido primeiro-ministro, para mal dos portugueses (risos).
E o seu camarada José Sócrates não se tornaria, por isso, o actual primeiro-ministro...
Não sei. Nessa matéria não faço vaticínios.
Quando se candidatou em 2005 à autarquia de Sintra foi uma tentativa de redenção?
Não. Eu não sou um homem de fé; sou, no mínimo, agnóstico, para não dizer ateu. Portanto, não tenho de redimir de coisa nenhuma.
Referia-me a redenção política...
Não. Sintra é uma grande autarquia, um desafio que, em muitos aspectos, era mais interessante que Lisboa. Tenho pena de ter perdido. E perdi, olhe, por causa de uma componente que não falámos há pouco: o futebol. E, em especial em Sintra, por causa do Benfica – clube que tenho simpatia e que sem a minha intervenção, como autarca de Lisboa, não teria o novo estádio...
Pelas suas palavras, deduzo que um político para ser bem-sucedido tem de se dar bem com o futebol...
Ainda não estou aí, mas estou a caminhar muito seriamente para essa análise. Quer na derrota com Santana Lopes quer com Fernando Seara, o futebol teve uma importância. Comentar futebol na televisão tem um peso determinado no eleitorado. Em Sintra, senti isso com clareza, até na rua. Houve pessoas que me disseram: “Eu aprecio o seu trabalho em Lisboa, mas vou votar no careca (que é como lhe chamam), porque sou do Benfica”.
Quando se discutem questões relacionadas com Lisboa, pensa com os seus botões: se eu fosse o presidente faria assim ou assado?
Eu vivi com grande empenho a minha experiência autárquica em Lisboa. A partir do momento que virei a página, virei a página.
Esta pergunta servia para lhe propor um exercício. Se tivesse ganho as eleições em 2001, construiria o túnel do Marquês, sabendo-se que já mandara fazer o da Avenida João XXI?
O túnel do Marquês era um velho projecto do tempo de Nuno Abecassis que quer eu quer Jorge Sampaio mantivemos na gaveta porque achamos não ser uma prioridade analisando os custos-benefícios. Isso não significa que o túnel do Marquês não melhore a circulação na entrada e saída de Lisboa, mas é numa lógica de fluxo radial, diferente daquela que considero prioritária, a de via circular, como no túnel da João XXI.
E sobre o negócio do Parque Mayer?
Isso é assunto que a Justiça tratará.
Como comenta as acusações de corrupção que pairam em torno da Bragaparques, uma empresa que já há muitos anos trabalhava para a autarquia de Lisboa?
Tenho uma posição que vai muito contra-corrente. A Bragaparques fez, no meu tempo, obras que controlei passo-a-passo, como os parques de estacionamento no Martim Moniz e na Praça da Figueira, que são obras excelentes, que fizeram dentro do prazo e cumprindo os critérios. Agora a partir de uma história mal contada – que é a do vereador José Sá Fernandes e que envolve o seu irmão – transformou-se a Bragaparques em sinónimo de corrupção. Eu acho isso é injusto e se há dados concretos então provem.
Não há corrupção das autarquias?
Claro que há! Muita em muitas autarquias. Agora, enquanto autarca, eu garanto-lhe que denunciei imediatamente os poucos casos que tive conhecimento.
Quantos foram?
Já não me recordo. Dois ou três, que deram em processos disciplinares e em demissão.
Alguma vez sentiu, mesmo de forma insinuante, que o tentaram subornar.
Não.
Em entrevista à Visão, João Cravinho criticou o Partido Socialista por não ter ido mais longe no combate à corrupção. O senhor respondeu-lhe, acusando-o de falta de lealdade...
O Partido Socialista aprovou, ao longo dos anos, um vasto pacote legislativo de combate à corrupção. É falso que não se tenha empenhado e, por isso, é injusto que João Cravinho diga o que disse e se tenha ido embora. Eu acho que não se pode ir na ideia que a corrupção se combate ultrapassando os limites normais de respeito pelos direitos e liberdades do cidadão. O Partido Socialista apenas não concordou com a inversão do ónus da prova defendida por João Cravinho.
Cravinho foi-se embora ou foi chutado para cima?
Só é chutado quem deixa. E ser chutado para ser administrador do BERD (Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento)? Eu espero é que ele tenha sucesso no combate à corrupção nas instâncias bancárias, nomeadamente acabar com os off-shores, pois assim acabaria com parte da corrupção. Os off-shores são usados para o tráfico de droga e de armas.
Em Portugal, a corrupção parece estar mais associado ao sector da construção...
Não só.
Nas autarquias parece evidente, pelas informações que são dadas a público...
Houve momentos que deve ter sido assim.
Está a falar no passado. Significa que agora já não acontece?
Não ponho as mãos no fogo, pois não tenho informação. Mas nós não somos, nem de perto nem de longe, um país muito corrupto em termos europeus.
Regressemos novamente a Lisboa. Justifica-se construir tanto na capital quando se perde paulatinamente 100 mil habitantes por década?
Sobre Lisboa, estou desactualizado. Se quiser falar de Sintra pode perguntar, das coisas que lá deveriam ser feitas e não se fizeram.
As coisas estas interligadas. Lisboa perde população para os subúrbios, sobretudo para Sintra. O que fez em Lisboa para inverter essa situação?
Aumentei a oferta de habitação para jovens. Foram seis mil casas da EPUL Jovem, cujo programa foi desmantelado pelo Santana, pelo Carmona e por essa gente. E isso era uma peça chave.
Mas estamos agora numa situação em que, se se conseguir atrair pessoas para Lisboa, criar-se-ão zonas abandonadas nos subúrbios, pois a população da Área Metropolitana está estabilizada...
Em grandes capitais europeias já se implodiram bairros degradados.
Defende isso?
Vai depender de caso para caso. Eu defendo uma relação completamente diferente na forma de fazer urbanismo. O nosso ordenamento do território é, infelizmente, do pior que há na União Europeia, porque há uma falta de cuidado na ocupação do solo absolutamente inacreditável.
Sente que em Sinta – concelho que mais construiu nos anos 90 – está a haver agora alguma contenção?
O presidente eleito faz a sua imagem, em 80% ou 90%, em redor do futebol, e particularmente do Benfica. E depois construiu a imagem do homem que combate o betão, o que só em parte é verdade. Tem aprovado dezenas de projectos de pequenas casas e vivendas que correspondem também a uma ocupação territorial indesejável.
A sua posição em relação ao novo aeroporto tem sido minoritária no seio do Partido Socialista. Defende a manutenção da Portela...
Eu não conheço nenhuma capital europeia que tenha deitado fora um aeroporto, mesmo se constrói um novo. Acho que é um disparate dizer que se tira o aeroporto da Portela e se transforma a zona num espaço verde. Tirar o aeroporto dali é mau para a Área Metropolitana de Lisboa, é mau para o turismo e para a economia.
E que pensa sobre a nova alternativa em Alcochete?
Acho um disparate completo. A Portela não tem problema de pistas, mas sim de aerogares, mas que pode ser solucionado. Além disso, Lisboa está bem servida de espaços que poderiam ser aproveitados. Temos os aeródromos de Tires, Sintra, Alverca, Montijo e Ota. Tendo em conta os voos low cost, podemos manter Portela e aproveitar Alverca, que até tem o caminho-de-ferro e a auto-estrada junto à pista.
Não o incomoda o autismo do Governo nessa matéria, que é extensível a outros assuntos?
A mim não me incomoda nada, porque há um défice de decisão em Portugal. Desde sempre que tivemos dificuldades muito grandes em decidir.
Aprova todos os métodos deste Governo?
Não aprovo todos. Tenho também uma costela ibérica anarco-sindicalista.
Que significa isso?
Se há um Governo, eu estou sempre um bocadinho contra. Até porque há uns tipos chatos, mesmo no meu partido, que se levam muito a sério por serem Governo, por serem ministros ou secretários de Estado.
Quer dar-me uns exemplos?
Não estou para entrar nisso. Não dou armas ao adversário. Mas como dizia o outro: que os há, há.
Se tivesse vencido as eleições para secretário-geral do Partido Socialista em Outubro de 2004, seria agora primeiro-ministro. Convidaria José Sócrates para assumir uma pasta governamental?
(risos) Essa é uma daquelas perguntas... Se eu não tivesse caído de avião em 1989 em Angola não teria uma perna partida.
Obviamente a minha pergunta era retórica. Aquilo que pretendia saber era a sua avaliação do Governo liderado por José Sócrates...
A minha avaliação é positiva, mas não me revejo a 100%, como toda a gente.
É um Governo socialista?
Em alguns aspectos tem sido.
Em alguns aspectos. Isso é maioria, 40%, 60%?
Não faço a avaliação nessa base. Posso dizer-lhe que, por exemplo, a política de Vieira da Silva é séria porque se baseia no modelo social europeu. Ou da política de educação, apesar das dificuldades de comunicação da ministra. Mas estar à frente do Ministério da Educação é absolutamente terrível.
O Governo tem aprovado imensos projectos ao abrigo do regime de excepção para os Projectos de Interesse Nacional que conflituam, em alguns casos, com áreas ambientais. Mas além disso, acha que do ponto de vista social, quem tem dinheiro pode não ter de cumprir todos os trâmites legais?
Claro que não. Mas isso não está a acontecer agora mais do que acontecia antes. Evidentemente que, em qualquer parte do Mundo, quem tem dinheiro acaba por ser mais beneficiado. É a natureza das coisas. Mas a situação não é pior com este Governo e veja o caso dos bancos que começaram, com este Governo, a pagar impostos de uma maneira mais substancial.
Concluo, regressando à temática dos estrangeiros. Disse há uns anos que Lisboa é branca, mas a sua pele é mestiça. Existe uma boa integração?
Claro, e felizmente para nós. Essa é uma das nossas grandes riquezas. Eu tenho a prova em casa. A minha mulher é belga, somo um casal genuinamente europeu, com uma criança nascida em Bruxelas e outra em Lisboa.
Eu estive recentemente com Maria José Nogueira Pinto e ela esclareceu-me que não tinha dito aquilo que surgiu na imprensa. Eu não comento coisas que são espuma mediática de declarações descontextualizadas. Não é justo.
Em todo o caso, quando era presidente da autarquia até já existia essa ideia, não?
Já havia um embrião de Chinatown em alguns espaços comerciais na envolvente do Martim Moniz. Essas coisas surgem naturalmente, por iniciativa da própria comunidade.
Nunca por via administrativa, portanto...
Nem isso era possível nem fazia sentido.
Estamos numa esplanada da Praça das Flores. Preferia estar a conceder esta entrevista naquele que foi o seu gabinete na Praça do Município?
Esse gabinete está agora muito bem ocupado por um amigo meu, que às vezes também passa por esta esplanada que é uma das mais bonitas de Lisboa.
Já falou com António Costa desde que foi eleito presidente da autarquia lisboeta?
Ainda há dias estive com ele no jantar do aniversário da SIC.
E quando está com ele, dá-lhe conselhos ou ele pede-lhos?
Não lhos dou nem ele precisa de conselhos.
Sente saudades de estar na Câmara de Lisboa?
Não. Eu sou um homem que vive bem com a vida e a olhar permanentemente para o futuro. Eu acho que o melhor está sempre para vir.
O seu nome chegou a ser ventilado como candidato socialista às eleições de Julho...
Quando tenho um gosto ou interesse forte por algo exponho-o com toda a clareza. Acho que, passe a imodéstia, isso me distingue pela positiva da generalidade dos políticos. Neste caso, perante o descalabro total da autarquia de Lisboa – que tinha estado ligado com tanta intensidade e emprenho durante 12 anos –, manifestei a minha disponibilidade, Mas não um interesse. Até porque há o velho provérbio que diz não se dever voltar aos sítios onde se foi feliz. A solução que foi escolhida pelo Partido Socialista saiu vitoriosa e teve o meu apoio.
Mas se ambicionasse ser candidato e não fosse aceite pelo partido, tomaria a mesma decisão de Helena Roseta?
Com todo o respeito, não. Para mim está fora de questão exercer actividade política fora do quadro partidário. Eu sou um democrata genuíno que sempre defendi a existência de partidos e continuo a acreditar nas suas virtudes. Em todo o caso, acho que os partidos precisam de reformas e que sofrem de algum descrédito.
Isso notou-se particularmente em Lisboa, com dois candidatos independentes (Carmona Rodrigues e Helena Roseta) a receberem mais de 25% dos votos. Foi um sinal dos eleitores?
Claro que sim. Depois do 25 de Abri, os partidos tiveram o monopólio da actividade política a todos os níveis e só a pouco e pouco se foi abrindo a possibilidade de candidaturas independentes. Do meu ponto de vista, menos do que seria aceitável. Eu sempre defendi que as candidaturas deveriam ser apresentadas por grupos de cidadãos e depois assumidas pelos partidos políticos, como em França. Os partidos nem sempre têm consciência das realidades locais e isso torna-se dramático, pois há, de facto, um défice de representatividade ao nível das autarquias e sobretudo no Parlamento.
Em Julho foi publicado o livro «Eleições Viciadas?», do jornalista João Ramos de Almeida sobre as eleições em Lisboa de 2001, em que perdeu para Santana Lopes. Leu-o?
Ainda não, na sua totalidade. Mas sei que se baseia num trabalho muito interessante, que respeito e admiro, do meu velho amigo Alberto Silva Lopes, que entretanto faleceu. Porém, pessoalmente não estou convencido que tenha havido uma viciação das eleições que tenha causada a minha derrota. Perdi-a por opção dos eleitores.
Esse livro, na sinopse, destaca as «numerosas discrepâncias reveladoras de um processo de escrutínio eleitoral (...) significativamente permeável a erros, à adulteração, intrusão ou intenção dolosa de alterar o sentido de voto dos eleitores». Isto parece grave num sistema democrático...
Vamos separar as coisas. Em primeiro lugar, em Portugal há já uma rotina que se estabeleceu que leva que os membros das mesas eleitorais tenham agora menos precaução e atenção, que podem causar pequenas irregularidades, mas sem distorcer o sentido do acto eleitoral. Não tenho conhecimento de, no pós-25 de Abril, eleições com fraudes. No âmbito das minhas funções na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) já acompanhei mais de uma dezena de actos eleitorais e já vi viciações à partida. Como, por exemplo, na Bielorrússia, onde as urnas fechavam às cinco ou seis horas da tarde e às 11 da manhã às televisões já se estavam a dar os resultados. Isso em Portugal não acontece.
Não contestou por receio de abrir uma caixa de Pandora, ou não quis vencer na secretaria?
Passe a imodéstia, eu acho que perdi de forma injusta. A generalidade dos lisboetas até talvez tenha reconhecido que fizeram uma asneira quando elegeram Santana Lopes. Mas a verdade é que houve uma maioria relativa que se deixou seduzir por aquele senhor vindo da Figueira da Foz com a imagem de que tinha colocado aquele concelho no mapa.
Criticaram-no por ter sido algo displicente durante a campanha e de ter cometido erros na condução do processo do elevador do Castelo, acabou abortado por contestação pública...
O processo do elevador é talvez uma das causas próximas da minha derrota. Mas eu fiz a campanha com empenho. Achei sempre que os lisboetas tinham condições para decidir a partir do perfil e do trabalho que cada um tinha feito. E nunca fui homem de propaganda e de me meter a fazer promessas do género de meter o Parque Mayer a funcionar em oito meses ou criar 250 mil casas para jovens no centro histórico.
Perdeu então por causa do populismo de Santana Lopes?
Não gosto da expressão populismo.
Já imaginou que se não tivesse perdido as eleições de 2001, porventura António Guterres não se teria demitido e Santana Lopes não ganharia projecção. O país político seria agora muito diferente...
Isso não tenho a menor dúvida. Santana Lopes nunca teria sido primeiro-ministro, para mal dos portugueses (risos).
E o seu camarada José Sócrates não se tornaria, por isso, o actual primeiro-ministro...
Não sei. Nessa matéria não faço vaticínios.
Quando se candidatou em 2005 à autarquia de Sintra foi uma tentativa de redenção?
Não. Eu não sou um homem de fé; sou, no mínimo, agnóstico, para não dizer ateu. Portanto, não tenho de redimir de coisa nenhuma.
Referia-me a redenção política...
Não. Sintra é uma grande autarquia, um desafio que, em muitos aspectos, era mais interessante que Lisboa. Tenho pena de ter perdido. E perdi, olhe, por causa de uma componente que não falámos há pouco: o futebol. E, em especial em Sintra, por causa do Benfica – clube que tenho simpatia e que sem a minha intervenção, como autarca de Lisboa, não teria o novo estádio...
Pelas suas palavras, deduzo que um político para ser bem-sucedido tem de se dar bem com o futebol...
Ainda não estou aí, mas estou a caminhar muito seriamente para essa análise. Quer na derrota com Santana Lopes quer com Fernando Seara, o futebol teve uma importância. Comentar futebol na televisão tem um peso determinado no eleitorado. Em Sintra, senti isso com clareza, até na rua. Houve pessoas que me disseram: “Eu aprecio o seu trabalho em Lisboa, mas vou votar no careca (que é como lhe chamam), porque sou do Benfica”.
Quando se discutem questões relacionadas com Lisboa, pensa com os seus botões: se eu fosse o presidente faria assim ou assado?
Eu vivi com grande empenho a minha experiência autárquica em Lisboa. A partir do momento que virei a página, virei a página.
Esta pergunta servia para lhe propor um exercício. Se tivesse ganho as eleições em 2001, construiria o túnel do Marquês, sabendo-se que já mandara fazer o da Avenida João XXI?
O túnel do Marquês era um velho projecto do tempo de Nuno Abecassis que quer eu quer Jorge Sampaio mantivemos na gaveta porque achamos não ser uma prioridade analisando os custos-benefícios. Isso não significa que o túnel do Marquês não melhore a circulação na entrada e saída de Lisboa, mas é numa lógica de fluxo radial, diferente daquela que considero prioritária, a de via circular, como no túnel da João XXI.
E sobre o negócio do Parque Mayer?
Isso é assunto que a Justiça tratará.
Como comenta as acusações de corrupção que pairam em torno da Bragaparques, uma empresa que já há muitos anos trabalhava para a autarquia de Lisboa?
Tenho uma posição que vai muito contra-corrente. A Bragaparques fez, no meu tempo, obras que controlei passo-a-passo, como os parques de estacionamento no Martim Moniz e na Praça da Figueira, que são obras excelentes, que fizeram dentro do prazo e cumprindo os critérios. Agora a partir de uma história mal contada – que é a do vereador José Sá Fernandes e que envolve o seu irmão – transformou-se a Bragaparques em sinónimo de corrupção. Eu acho isso é injusto e se há dados concretos então provem.
Não há corrupção das autarquias?
Claro que há! Muita em muitas autarquias. Agora, enquanto autarca, eu garanto-lhe que denunciei imediatamente os poucos casos que tive conhecimento.
Quantos foram?
Já não me recordo. Dois ou três, que deram em processos disciplinares e em demissão.
Alguma vez sentiu, mesmo de forma insinuante, que o tentaram subornar.
Não.
Em entrevista à Visão, João Cravinho criticou o Partido Socialista por não ter ido mais longe no combate à corrupção. O senhor respondeu-lhe, acusando-o de falta de lealdade...
O Partido Socialista aprovou, ao longo dos anos, um vasto pacote legislativo de combate à corrupção. É falso que não se tenha empenhado e, por isso, é injusto que João Cravinho diga o que disse e se tenha ido embora. Eu acho que não se pode ir na ideia que a corrupção se combate ultrapassando os limites normais de respeito pelos direitos e liberdades do cidadão. O Partido Socialista apenas não concordou com a inversão do ónus da prova defendida por João Cravinho.
Cravinho foi-se embora ou foi chutado para cima?
Só é chutado quem deixa. E ser chutado para ser administrador do BERD (Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento)? Eu espero é que ele tenha sucesso no combate à corrupção nas instâncias bancárias, nomeadamente acabar com os off-shores, pois assim acabaria com parte da corrupção. Os off-shores são usados para o tráfico de droga e de armas.
Em Portugal, a corrupção parece estar mais associado ao sector da construção...
Não só.
Nas autarquias parece evidente, pelas informações que são dadas a público...
Houve momentos que deve ter sido assim.
Está a falar no passado. Significa que agora já não acontece?
Não ponho as mãos no fogo, pois não tenho informação. Mas nós não somos, nem de perto nem de longe, um país muito corrupto em termos europeus.
Regressemos novamente a Lisboa. Justifica-se construir tanto na capital quando se perde paulatinamente 100 mil habitantes por década?
Sobre Lisboa, estou desactualizado. Se quiser falar de Sintra pode perguntar, das coisas que lá deveriam ser feitas e não se fizeram.
As coisas estas interligadas. Lisboa perde população para os subúrbios, sobretudo para Sintra. O que fez em Lisboa para inverter essa situação?
Aumentei a oferta de habitação para jovens. Foram seis mil casas da EPUL Jovem, cujo programa foi desmantelado pelo Santana, pelo Carmona e por essa gente. E isso era uma peça chave.
Mas estamos agora numa situação em que, se se conseguir atrair pessoas para Lisboa, criar-se-ão zonas abandonadas nos subúrbios, pois a população da Área Metropolitana está estabilizada...
Em grandes capitais europeias já se implodiram bairros degradados.
Defende isso?
Vai depender de caso para caso. Eu defendo uma relação completamente diferente na forma de fazer urbanismo. O nosso ordenamento do território é, infelizmente, do pior que há na União Europeia, porque há uma falta de cuidado na ocupação do solo absolutamente inacreditável.
Sente que em Sinta – concelho que mais construiu nos anos 90 – está a haver agora alguma contenção?
O presidente eleito faz a sua imagem, em 80% ou 90%, em redor do futebol, e particularmente do Benfica. E depois construiu a imagem do homem que combate o betão, o que só em parte é verdade. Tem aprovado dezenas de projectos de pequenas casas e vivendas que correspondem também a uma ocupação territorial indesejável.
A sua posição em relação ao novo aeroporto tem sido minoritária no seio do Partido Socialista. Defende a manutenção da Portela...
Eu não conheço nenhuma capital europeia que tenha deitado fora um aeroporto, mesmo se constrói um novo. Acho que é um disparate dizer que se tira o aeroporto da Portela e se transforma a zona num espaço verde. Tirar o aeroporto dali é mau para a Área Metropolitana de Lisboa, é mau para o turismo e para a economia.
E que pensa sobre a nova alternativa em Alcochete?
Acho um disparate completo. A Portela não tem problema de pistas, mas sim de aerogares, mas que pode ser solucionado. Além disso, Lisboa está bem servida de espaços que poderiam ser aproveitados. Temos os aeródromos de Tires, Sintra, Alverca, Montijo e Ota. Tendo em conta os voos low cost, podemos manter Portela e aproveitar Alverca, que até tem o caminho-de-ferro e a auto-estrada junto à pista.
Não o incomoda o autismo do Governo nessa matéria, que é extensível a outros assuntos?
A mim não me incomoda nada, porque há um défice de decisão em Portugal. Desde sempre que tivemos dificuldades muito grandes em decidir.
Aprova todos os métodos deste Governo?
Não aprovo todos. Tenho também uma costela ibérica anarco-sindicalista.
Que significa isso?
Se há um Governo, eu estou sempre um bocadinho contra. Até porque há uns tipos chatos, mesmo no meu partido, que se levam muito a sério por serem Governo, por serem ministros ou secretários de Estado.
Quer dar-me uns exemplos?
Não estou para entrar nisso. Não dou armas ao adversário. Mas como dizia o outro: que os há, há.
Se tivesse vencido as eleições para secretário-geral do Partido Socialista em Outubro de 2004, seria agora primeiro-ministro. Convidaria José Sócrates para assumir uma pasta governamental?
(risos) Essa é uma daquelas perguntas... Se eu não tivesse caído de avião em 1989 em Angola não teria uma perna partida.
Obviamente a minha pergunta era retórica. Aquilo que pretendia saber era a sua avaliação do Governo liderado por José Sócrates...
A minha avaliação é positiva, mas não me revejo a 100%, como toda a gente.
É um Governo socialista?
Em alguns aspectos tem sido.
Em alguns aspectos. Isso é maioria, 40%, 60%?
Não faço a avaliação nessa base. Posso dizer-lhe que, por exemplo, a política de Vieira da Silva é séria porque se baseia no modelo social europeu. Ou da política de educação, apesar das dificuldades de comunicação da ministra. Mas estar à frente do Ministério da Educação é absolutamente terrível.
O Governo tem aprovado imensos projectos ao abrigo do regime de excepção para os Projectos de Interesse Nacional que conflituam, em alguns casos, com áreas ambientais. Mas além disso, acha que do ponto de vista social, quem tem dinheiro pode não ter de cumprir todos os trâmites legais?
Claro que não. Mas isso não está a acontecer agora mais do que acontecia antes. Evidentemente que, em qualquer parte do Mundo, quem tem dinheiro acaba por ser mais beneficiado. É a natureza das coisas. Mas a situação não é pior com este Governo e veja o caso dos bancos que começaram, com este Governo, a pagar impostos de uma maneira mais substancial.
Concluo, regressando à temática dos estrangeiros. Disse há uns anos que Lisboa é branca, mas a sua pele é mestiça. Existe uma boa integração?
Claro, e felizmente para nós. Essa é uma das nossas grandes riquezas. Eu tenho a prova em casa. A minha mulher é belga, somo um casal genuinamente europeu, com uma criança nascida em Bruxelas e outra em Lisboa.