Entrevista (não editada) publicada na revista Notícias Sábado ao Prof. José Delgado Domingos, professor jubilado do Instituto Superior Técnico
P – Nos últimos tempos, temos assistido a tribunais a mandarem encerrarem linhas de alta tensão e um eclodir de manifestações contra a Rede Eléctrica Nacional (REN). Do ponto de vista científico, justifica-se este alarido?
R – Eu fico um pouco surpreendido, e acho mesmo preocupante, quando os juízes começam a pronunciar-se sobre temas científicos que claramente não dominam; só serve para desacreditar a Justiça. Parte dos argumentos invocados não têm base científica nem de bom senso. É evidente que uma linha de alta tensão, tal como uma linha de baixa tensão – em suma, uma linha que transporte corrente eléctrica – é perigosa. Mas dizer que há um perigo sem o quantificar não faz sentido. Reduzir o perigo a zero é o mesmo que não ter electricidade. O risco existe sempre e deve ser minimizado com a aplicação rigorosa das normas, que neste caso até existem legalmente . Na minha opinião, o ataque à REN é uma tentativa de arranjar um bode expiatório.
P – A REN não tem responsabilidades nesta situação?
R – Não tendo uma procuração da REN, julgo serem absurdas as acusações, sobretudo quando dizem que ela pretende as linhas aéreas por serem mais lucrativas. A partir do momento em que a REN detém, por lei, o monopólio natural do transporte de electricidade acima dos 110 mil volts não é livre de fixar as tarifas. Estas são determinadas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). Em consequência, a REN é remunerada em função dos investimentos aprovados pela ERSE, pelo que nunca perde se for obrigada a enterrar as linhas. Pode mesmo ganhar. A REN, por isso, é o último dos responsáveis por esta situação.
P – Até porque a REN acaba por necessitar de autorizações para executar as linhas…
R – Exacto. E aqui reside o problema do planeamento das linhas de transporte de energia. A maior parte delas foram definidas ainda no tempo da EDP monopolista. Mas depois tiveram de ser aprovadas em concreto pelo Ministério do Ambiente – no âmbito da avaliação de impacte ambiental – e pela Direcção-Geral de Geologia e Energia. Só depois disto a REN pode avançar para a construção. Por isso, do ponto de vista legal não há nada que se possa apontar à REN. A questão acaba por ser de ordenamento do território. Quando se prevêem urbanizações sabe-se que é necessário construir infra-estruturas de água, de esgotos e de electricidade. E se é necessária a electricidade é necessário prever por onde passam as linhas de alta tensão. Em muitos casos, foi depois de estarem previstas as linhas de alta tensão, que as autarquias aprovaram planos directores municipais que permitiram a construção nos corredores de protecção e exclusão impostos por essas linhas. Na discussão actual a pergunta que se deve colocar é: quem autorizou as construções nos locais que agora contestam a passagem das linhas ?. A autorização para construir as linhas teve ou não em conta eventuais licenciamentos prévios de construção? O traçado das linhas é matéria do PROT( Plano Regional de Ordenamento do Território) que deve ser absolutamente cumprido pelas autarquias. De facto, ou responsabilizamos as pessoas e entidades pelos seus actos, ou acabamos por ter de pagar os seus disparates. Se os encargos de investimento da REN aumentarem, a consequência será um aumento das tarifas de electricidade, goste-se ou não se goste.
P – Surgiram notícias de que o aumento da tarifa, por causa do enterramento de linhas de alta tensão, pode atingir os 40%...
R – Vai depender do que se enterrar. Portugal possui cerca de sete mil quilómetros de linhas de alta tensão. Será impensável estar a enterrá-las todas, mas se assim se decidir, depois ninguém se pode queixar que a electricidade subiu muito ou que deixa de existir dinheiro para outras coisas, como hospitais. Isto é o cerne da decisão política. Haverá casos em que será melhor enterrar, sobretudo quando estamos a falar de atravessamento de povoações, noutros talvez saia até mais barato indemnizar e realojar pessoas.
P – Mas existe mesmo um perigo real relativamente às habitações que estão sob as linhas de alta tensão?
R – Há um perigo efectivo, de facto, e tais habitações são contra as normas legais. Sempre que existe uma linha de muito alta tensão são gerados campos eléctricos e electromagnéticos. O perigo depende da voltagem, da distância e da sensibilidade das pessoas, embora não existam estudos absolutamente conclusivos. Mas é bom salientar que um perigo significativo só existe se não forem tomadas as precauções necessárias, como as que são recomendadas por organismos internacionais. A própria REN as divulga no seu site e é obrigada por lei a aplicá-las.
P – Que não são cumpridas…
R – Nós começámos o disparate há muito tempo e continuamos. As autarquias não cumprem as zonas de exclusão, depois querem vetar as linhas mas querem a electricidade. Tem que existir planeamento e um compromisso. Portugal não é um conglomerado de principados ou baronatos. As manifestações mostram também que as populações perderam confiança nos poderes políticos, o que é gravíssimo. Como o cidadão comum se sente enganado inúmeras vezes acaba por perder a visão de conjunto, acarretando individualismos egoístas.
P – Os receios com as linhas de alta tensão tem também a ver com questões psicológicas: o medo invisível. Como ocorre com as radiações nucleares…
R – No caso das radiações nucleares, os efeitos são mais devastadores, porque são ionizantes e perduram, enquanto as radiações não ionizantes, – como os da electricidade ou a dos telemóveis – terminam logo que se desliga a corrente. Quanto aos efeitos é como se as radiações não ionizantes – como as emitidas pelas linhas de electricidade, pelos telemóveis ,pelos micro-ondas, etc– queimam, as radiações ionizantes dão uma martelada, pois provocam a rotura de ligações a nível molecular.
P – Na década de 70 foi um dos cientistas que se destacaram em Portugal contra a construção da central nuclear em Ferrel. Os pressupostos mantém-se, agora que se fala de novo na possibilidade da energia nuclear no nosso país?
R – Claro, não existe nenhuma diferença. Fico mesmo admirado ao constatar que aquilo que escrevi nos anos 70 se mantém actual. O meu combate ao nuclear em Portugal foi, e ainda é, primeiro que tudo, de natureza económica. É um absurdo económico. Do ponto de vista da perigosidade, agora ainda é mais evidente, por causa da proliferação das armas nucleares associada à construção dos reactores civis.
P – Como assim? Está a defender que sem energia nuclear para fins civis, para a produção de electricidade, não haveria tantos países com armas nucleares?
R – Sem dúvida. Sem existência de centrais nucleares, que produzem plutónio como resíduo, apenas países muito desenvolvidos do ponto de vista tecnológico as poderiam ter. Países como a Índia, o Paquistão e a Coreia do Norte não possuiriam armamento nuclear, pois é imprescindível a existência de plutónio. E por dia, uma central de 1000 MW produz quatro a cinco quilogramas de plutónio, suficiente para uma bomba atómica. E nessas circunstâncias, havendo plutónio disponível, a tecnologia posterior não precisa de ser tão apurada. Hoje sabe-se que existe um contrabando de plutónio e inúmeras tentativas de o transaccionar, algo que é dramático sabendo-se também da possibilidade de se criarem bombas sujas, que não são mais do que explosivos clássicos revestidos de produtos radioactivos, e que podem contaminar vastas regiões. As explosões não fazem o tradicional cogumelo, mas têm um elevado poder de destruição, de contaminação.
P – E existe, claro, o problema de segurança, como o que aconteceu em Chernobyl…
R – Sim e também na gestão dos resíduos. O recente incidente na central espanhola de Almaraz, na fronteira com Portugal, foi o resultado de um problema global no nuclear, que é o de se estar no limite da capacidade de armazenamento dos resíduos. Tendo em consideração a inexistência de uma solução final, estes têm de ser continuamente arrefecidos e se não houver muito cuidado desencadear-se-á uma reacção crítica devido à compactação.
P – Esse incidente em Almaraz poderia ter tido consequências catastróficas?
R – Foi um incidente pequeno porque se conseguiu controlar, mas poderia ter sido algo de muito grave. Foi um aviso. E no nuclear, uma pequena coisa pode transformar-se numa coisa enorme.
P – Em todo o caso, se as promessas do empresário Patrick Monteiro Barros de não ser necessário investimento público se confirmarem, Portugal pode vir a ter condições para ter uma central nuclear?
R – Se for por uma questão de natureza económica, repito, não é viável sem que haja um contributo importante dos nossos impostos. Não é só a questão do investimento da central que está em causa, mas também da rede de transporte. Além disso, uma central nuclear tem períodos de paragem, programadas e não programadas, e a nossa ligação a Espanha não suporta uma situação em que necessitássemos de energia nesses períodos. Ter-se-ia que fazer também aí um elevado investimento.
P – Mas imaginemos que os promotores pagavam tudo isso…
R – Ou seja, Portugal apenas assumia o seguro do risco de um desastre. Isto era assumirmos um dumping ambiental, o que seria impensável, típico de um país não do Terceiro Mundo mas sim do Quarto Mundo. Mas há quem pense nisso. Na fase actual do país, em que o grande capital manda, tudo é possível. Mas fique-se desde já a saber que se isso acontecer está alguém a ser vendido barato ou há corrupção da grande.
P – E desactivar todas as centrais nucleares do Mundo, é possível ou viável?
R – Não, não sou irrealista. Os países com pretensões militares, como a China e a Índia, continuarão a apostar. Não por razões energéticas, mas de defesa. Ou seja, o nuclear pode dar um contributo importante mas nunca resolverá todas as necessidades de electricidade. Além disso, existe outro problema que tem a ver com a escassez de urânio. E isso pode levar a que se insista em centrais a plutónio.
P – Que são ainda mais perigosas…
R – Sim. Até agora todas as experiências com estas centrais falharam, como foi o caso do Superphenix, na França.
P – Em 2007 falou-se bastante em energia em Portugal. Ao longo de 2008 está prevista a aprovação do Plano Nacional de Barragens e será anunciado o resultado do concurso para a ampliação dos parques eólicos. Será 2008 o ano da energia?
R – Talvez sim, mas espero que não seja pelas más razões. Em Portugal estamos a viver numa realidade virtual no campo da produção energética. E acho serem necessárias algumas advertências muito sérias. Por exemplo, penso que não se devem espalhar parques eólicos sem nexo. Eu sou defensor da energia eólica, mas não de qualquer maneira, sem disciplina. E aquilo a que estamos a assistir é um negócio puramente financeiro, só com vista para o lucro imediato. Em Portugal, os produtores de energia eólica beneficiam de uma situação económica altamente favorável, protegida e sem contrapartidas. E depois não existem estudos aprofundados do potencial eólico e das localizações mais adequadas, que salvaguardem algumas serras e apostem na hipótese dos parques off-shore.
P – O concurso está feito, de facto, de modo esquisito: os candidatos propõem locais e o que for vencedor quase automaticamente terá aprovadas todas as localizações, independentemente dos impactes…
R – Esse concurso foi feito para dar as regalias aos grandes monopólios. A energia eólica, que tem grandes méritos se for descentralizada e feita numa escala disseminada, acaba por ser concebida em concentrações, sem contrapartidas. A energia eólica é paga em Portugal de um forma exageradamente favorável às empresas, pois tem prioridade absoluta de entrada na rede e garantia de compra pela REN sem qualquer obrigatoriedade de previsibilidade do fornecimento dessa energia e sem penalizações previstas. Isto é chocante, porque afecta todo o sistema eléctrico nacional, obrigando a ter centrais em stand-by, com custos enormes. Nos países em que a eólica não é um puro negócio financeiro, o preço da electricidade eólica está ligado às previsões de produção e do respectivo cumprimento. Isto estimula o sistema de previsão e a gestão do sistema eléctrico. Faz-se assim na Espanha e nos países nórdicos, por exemplo.
P – Os transportes são uma das questões energéticas mais prementes da actualidade, ainda mais agora com a galopante subida dos preços do petróleo. Que solução teremos de seguir?
R – Tem-se falado muito no hidrogénio, no uso das pilhas de combustível, mas não me parece ser a solução. O hidrogénio é como a electricidade: a sua armazenagem em grande escala tem custos enormes. A Economia do Hidrogénio, de que se fala, implicaria uma rede autónoma muito complexa, porque sendo um gás muito leve não pode ser transportado com a mesma facilidade do gás natural. Por outro lado, o hidrogénio não é uma fonte mas um meio de transporte de energia, como a rede eléctrica. O hidrogénio tem de ser previamente produzido, consumindo sobretudo electricidade. Na minha opinião, o futuro está no uso de veículos eléctricos, sem meter de permeio o hidrogénio.
P – E os biocombustíveis?
R – Os biocombustíveis são outro disparate, pois nunca podem ter um papel mais do que marginal. A Terra tem 6,5 mil milhões de habitantes, que estão em crescimento, e usamos já entre 40% e 60% da fotossíntese disponivel. Pensar que podemos usar o que resta para produzir biocombustíveis é utópico. Actualmente só são viáveis com grandes subsídios, para além de entrarem em competição com as necessidades de alimentação no que respeita à disponibilidade de solos ferteis.
P – Ou seja, os preços de alguns produtos alimentares aumentarão, como já acontece com o milho…
R – Pois, estamos mais uma vez perante um negócio apenas financeiro. No Instituto Superior Técnico fez-se um estudo para o caso do milho que demonstrou que não existiriaa qualquer vantagem. A menos que se recorra a resíduos vegetais, os biocombustíveis não trazem efeitos positivos, e nunca será possível resolver a problema dos transportes nem a meta europeia de se usar 10% de biocombustíveis de origem nacional.
P – Este projecto é, como muitos, apresentado com uma capa de defesa do ambiente…
R – É absolutamente vital desmontar isso. Os únicos que não perderão são os que entram nesses negócios. E isso acontece porque em Portugal não temos uma cultura científica sólida, exigente e independente – vai tudo a reboque. Acha que eu, por estar a dizer isto, vou amanhã ser financiado na investigação destes temas? Pelo contrário…
P – Qual será, enfim, então a via para o paradigma energético? Consumir menos ou ser mais eficiente e assim consumir melhor?
R – Consumir menos, até porque há limites para a eficiência energética. Há limites termodinâmicos que nenhuma tecnologia ultrapassará.
P – Está muito céptico. A ciência e tecnologia têm evoluído de uma forma impensável no último século…
R – Teríamos de falar então na diferença entre ciência e tecnologia. Por exemplo, nós sabemos que existe fusão nuclear, basta olhar para o sol, e como funciona. Mas não conseguimos fazer com que esse fenómeno ocorra de forma estável e aproveitável pela sociedade.
P – Voltando a Portugal, por que razão continuamos a ser um dos piores países em termos de eficiência energética?
R – É uma questão cultural, vivemos acima das nossas possibilidades e grande parte da energia que gastamos é em actividades não produtivas. Por exemplo, actualmente gastamos, per capita, apenas menos 10% de energia do que um dinamarquês, mas gastamos cerca do dobro para produzir a mesma unidade de riqueza.
P – A Conferência de Bali sobre alterações climáticas foi ou não um sucesso?
R – Considerou-se um sucesso por se ter conseguido colocar no texto final uma nota de rodapé que faz referência a um estudo do Painel Internacional para as Alterações Climáticas (IPCC). Mas essa nota de rodapé remete, por sua vez, para outras duas notas que, na prática, a anulam, porque, na verdade, não são fixadas quaisquer metas, mas apenas indicações que são questionáveis.
P – Em todo o caso parece consensual que as alterações climáticas são já agora uma evidência, tanto assim que em 2007 se falou imenso do assunto…
R – Existem alterações climáticas mensuráveis mas existe também uma enorme manipulação ao reduzir tudo ao CO2 e equivalentes. O principal gás com efeito de estufa é o vapor de água. O alarmismo actual quanto às alterações climáticas é um instrumento de controlo social, pretexto para grandes negócios e combate político. Transformou-se numa ideologia, o que é preocupante
P – Há uns anos falava-se que eram as petrolíferas a financiarem cientistas para negarem as alterações climáticas…
R – Agora é um pouco ao contrário.
P – Onde está então a verdade? Onde está a realidade?
R – Há três realidades: uma científica – que mostra os dados observados –, outra de realidade virtual – que se baseia em modelos computacionais – e outra pública. Entre as três, por vezes, há grandes contradições.
P – Mas afinal, na sua opinião, existe ou não aquecimento global provocado pelas emissões de dióxido de carbono das actividades humanas?
R – O último relatório científico do IPCC refere, por exemplo, que na Antártida o aumento da temperatura precedeu o aumento das emissões de dióxido de carbono, mas depois isso é omitido no relatório para os decisores políticos. Recentemente descobriu-se que afinal houve um erro em considerar que 1998 foi o ano mais quente no EUA desde que existem registos; de facto, o ano mais quente foi o de 1934. E agora sabe-se, depois de um grande escândalo, que no século XV ocorreu um crescimento abrupto de temperaturas idêntico ao que se verifica actualmente.
P – Então em ficamos? Existe ou não aquecimento global, na sua opinião?
R – Tem ocorrido um aumento da temperatura, até 1998, mas não se pode garantir que, nos próximos anos, continue e que esteja apenas associado às emissões de dióxido de carbono.
P – Nesse âmbito, a aplicação do protocolo de Quioto servirá para algo?
R – Tudo o que seja feito para diminuir as emissões de dióxido de carbono é positivo, porque implicará redução dos consumos energéticos. Mas criar uma ideologia agarrada ao dióxido de carbono é um perigoso disparate. Será preferível prepararmo-nos para as naturais evoluções do clima. Adaptarmo-nos, e estarmos preparados, caso aconteçam, o que significa, entre outras coisas, não destruir as dunas a pretexto de PIN, não contruir em leitos de cheia, não impermeabilizar solos para não agravar os efeitos das potenciais e naturais ondas de calor, etc
P – Em suma, advoga então que se siga a política preconizada pela Administração Bush…
R – Não se pode continuar a diabolizar os Estados Unidos. Os norte-americanos têm dos melhores estudos e especialistas nesta área. Basta dizer que o UCAR ( University Corporation for Atmosferic Research) – um organismo norte-americano que estuda os fenómenos climáticos e meteorológicos – tem um orçamento de 200 milhões de dólares, enquanto o IPCC tem apenas 10 milhões, para além de que mais de 50% dos cientistas que elaboraram os relatórios do IPCC são americanos.
P – Nos últimos tempos, temos assistido a tribunais a mandarem encerrarem linhas de alta tensão e um eclodir de manifestações contra a Rede Eléctrica Nacional (REN). Do ponto de vista científico, justifica-se este alarido?
R – Eu fico um pouco surpreendido, e acho mesmo preocupante, quando os juízes começam a pronunciar-se sobre temas científicos que claramente não dominam; só serve para desacreditar a Justiça. Parte dos argumentos invocados não têm base científica nem de bom senso. É evidente que uma linha de alta tensão, tal como uma linha de baixa tensão – em suma, uma linha que transporte corrente eléctrica – é perigosa. Mas dizer que há um perigo sem o quantificar não faz sentido. Reduzir o perigo a zero é o mesmo que não ter electricidade. O risco existe sempre e deve ser minimizado com a aplicação rigorosa das normas, que neste caso até existem legalmente . Na minha opinião, o ataque à REN é uma tentativa de arranjar um bode expiatório.
P – A REN não tem responsabilidades nesta situação?
R – Não tendo uma procuração da REN, julgo serem absurdas as acusações, sobretudo quando dizem que ela pretende as linhas aéreas por serem mais lucrativas. A partir do momento em que a REN detém, por lei, o monopólio natural do transporte de electricidade acima dos 110 mil volts não é livre de fixar as tarifas. Estas são determinadas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). Em consequência, a REN é remunerada em função dos investimentos aprovados pela ERSE, pelo que nunca perde se for obrigada a enterrar as linhas. Pode mesmo ganhar. A REN, por isso, é o último dos responsáveis por esta situação.
P – Até porque a REN acaba por necessitar de autorizações para executar as linhas…
R – Exacto. E aqui reside o problema do planeamento das linhas de transporte de energia. A maior parte delas foram definidas ainda no tempo da EDP monopolista. Mas depois tiveram de ser aprovadas em concreto pelo Ministério do Ambiente – no âmbito da avaliação de impacte ambiental – e pela Direcção-Geral de Geologia e Energia. Só depois disto a REN pode avançar para a construção. Por isso, do ponto de vista legal não há nada que se possa apontar à REN. A questão acaba por ser de ordenamento do território. Quando se prevêem urbanizações sabe-se que é necessário construir infra-estruturas de água, de esgotos e de electricidade. E se é necessária a electricidade é necessário prever por onde passam as linhas de alta tensão. Em muitos casos, foi depois de estarem previstas as linhas de alta tensão, que as autarquias aprovaram planos directores municipais que permitiram a construção nos corredores de protecção e exclusão impostos por essas linhas. Na discussão actual a pergunta que se deve colocar é: quem autorizou as construções nos locais que agora contestam a passagem das linhas ?. A autorização para construir as linhas teve ou não em conta eventuais licenciamentos prévios de construção? O traçado das linhas é matéria do PROT( Plano Regional de Ordenamento do Território) que deve ser absolutamente cumprido pelas autarquias. De facto, ou responsabilizamos as pessoas e entidades pelos seus actos, ou acabamos por ter de pagar os seus disparates. Se os encargos de investimento da REN aumentarem, a consequência será um aumento das tarifas de electricidade, goste-se ou não se goste.
P – Surgiram notícias de que o aumento da tarifa, por causa do enterramento de linhas de alta tensão, pode atingir os 40%...
R – Vai depender do que se enterrar. Portugal possui cerca de sete mil quilómetros de linhas de alta tensão. Será impensável estar a enterrá-las todas, mas se assim se decidir, depois ninguém se pode queixar que a electricidade subiu muito ou que deixa de existir dinheiro para outras coisas, como hospitais. Isto é o cerne da decisão política. Haverá casos em que será melhor enterrar, sobretudo quando estamos a falar de atravessamento de povoações, noutros talvez saia até mais barato indemnizar e realojar pessoas.
P – Mas existe mesmo um perigo real relativamente às habitações que estão sob as linhas de alta tensão?
R – Há um perigo efectivo, de facto, e tais habitações são contra as normas legais. Sempre que existe uma linha de muito alta tensão são gerados campos eléctricos e electromagnéticos. O perigo depende da voltagem, da distância e da sensibilidade das pessoas, embora não existam estudos absolutamente conclusivos. Mas é bom salientar que um perigo significativo só existe se não forem tomadas as precauções necessárias, como as que são recomendadas por organismos internacionais. A própria REN as divulga no seu site e é obrigada por lei a aplicá-las.
P – Que não são cumpridas…
R – Nós começámos o disparate há muito tempo e continuamos. As autarquias não cumprem as zonas de exclusão, depois querem vetar as linhas mas querem a electricidade. Tem que existir planeamento e um compromisso. Portugal não é um conglomerado de principados ou baronatos. As manifestações mostram também que as populações perderam confiança nos poderes políticos, o que é gravíssimo. Como o cidadão comum se sente enganado inúmeras vezes acaba por perder a visão de conjunto, acarretando individualismos egoístas.
P – Os receios com as linhas de alta tensão tem também a ver com questões psicológicas: o medo invisível. Como ocorre com as radiações nucleares…
R – No caso das radiações nucleares, os efeitos são mais devastadores, porque são ionizantes e perduram, enquanto as radiações não ionizantes, – como os da electricidade ou a dos telemóveis – terminam logo que se desliga a corrente. Quanto aos efeitos é como se as radiações não ionizantes – como as emitidas pelas linhas de electricidade, pelos telemóveis ,pelos micro-ondas, etc– queimam, as radiações ionizantes dão uma martelada, pois provocam a rotura de ligações a nível molecular.
P – Na década de 70 foi um dos cientistas que se destacaram em Portugal contra a construção da central nuclear em Ferrel. Os pressupostos mantém-se, agora que se fala de novo na possibilidade da energia nuclear no nosso país?
R – Claro, não existe nenhuma diferença. Fico mesmo admirado ao constatar que aquilo que escrevi nos anos 70 se mantém actual. O meu combate ao nuclear em Portugal foi, e ainda é, primeiro que tudo, de natureza económica. É um absurdo económico. Do ponto de vista da perigosidade, agora ainda é mais evidente, por causa da proliferação das armas nucleares associada à construção dos reactores civis.
P – Como assim? Está a defender que sem energia nuclear para fins civis, para a produção de electricidade, não haveria tantos países com armas nucleares?
R – Sem dúvida. Sem existência de centrais nucleares, que produzem plutónio como resíduo, apenas países muito desenvolvidos do ponto de vista tecnológico as poderiam ter. Países como a Índia, o Paquistão e a Coreia do Norte não possuiriam armamento nuclear, pois é imprescindível a existência de plutónio. E por dia, uma central de 1000 MW produz quatro a cinco quilogramas de plutónio, suficiente para uma bomba atómica. E nessas circunstâncias, havendo plutónio disponível, a tecnologia posterior não precisa de ser tão apurada. Hoje sabe-se que existe um contrabando de plutónio e inúmeras tentativas de o transaccionar, algo que é dramático sabendo-se também da possibilidade de se criarem bombas sujas, que não são mais do que explosivos clássicos revestidos de produtos radioactivos, e que podem contaminar vastas regiões. As explosões não fazem o tradicional cogumelo, mas têm um elevado poder de destruição, de contaminação.
P – E existe, claro, o problema de segurança, como o que aconteceu em Chernobyl…
R – Sim e também na gestão dos resíduos. O recente incidente na central espanhola de Almaraz, na fronteira com Portugal, foi o resultado de um problema global no nuclear, que é o de se estar no limite da capacidade de armazenamento dos resíduos. Tendo em consideração a inexistência de uma solução final, estes têm de ser continuamente arrefecidos e se não houver muito cuidado desencadear-se-á uma reacção crítica devido à compactação.
P – Esse incidente em Almaraz poderia ter tido consequências catastróficas?
R – Foi um incidente pequeno porque se conseguiu controlar, mas poderia ter sido algo de muito grave. Foi um aviso. E no nuclear, uma pequena coisa pode transformar-se numa coisa enorme.
P – Em todo o caso, se as promessas do empresário Patrick Monteiro Barros de não ser necessário investimento público se confirmarem, Portugal pode vir a ter condições para ter uma central nuclear?
R – Se for por uma questão de natureza económica, repito, não é viável sem que haja um contributo importante dos nossos impostos. Não é só a questão do investimento da central que está em causa, mas também da rede de transporte. Além disso, uma central nuclear tem períodos de paragem, programadas e não programadas, e a nossa ligação a Espanha não suporta uma situação em que necessitássemos de energia nesses períodos. Ter-se-ia que fazer também aí um elevado investimento.
P – Mas imaginemos que os promotores pagavam tudo isso…
R – Ou seja, Portugal apenas assumia o seguro do risco de um desastre. Isto era assumirmos um dumping ambiental, o que seria impensável, típico de um país não do Terceiro Mundo mas sim do Quarto Mundo. Mas há quem pense nisso. Na fase actual do país, em que o grande capital manda, tudo é possível. Mas fique-se desde já a saber que se isso acontecer está alguém a ser vendido barato ou há corrupção da grande.
P – E desactivar todas as centrais nucleares do Mundo, é possível ou viável?
R – Não, não sou irrealista. Os países com pretensões militares, como a China e a Índia, continuarão a apostar. Não por razões energéticas, mas de defesa. Ou seja, o nuclear pode dar um contributo importante mas nunca resolverá todas as necessidades de electricidade. Além disso, existe outro problema que tem a ver com a escassez de urânio. E isso pode levar a que se insista em centrais a plutónio.
P – Que são ainda mais perigosas…
R – Sim. Até agora todas as experiências com estas centrais falharam, como foi o caso do Superphenix, na França.
P – Em 2007 falou-se bastante em energia em Portugal. Ao longo de 2008 está prevista a aprovação do Plano Nacional de Barragens e será anunciado o resultado do concurso para a ampliação dos parques eólicos. Será 2008 o ano da energia?
R – Talvez sim, mas espero que não seja pelas más razões. Em Portugal estamos a viver numa realidade virtual no campo da produção energética. E acho serem necessárias algumas advertências muito sérias. Por exemplo, penso que não se devem espalhar parques eólicos sem nexo. Eu sou defensor da energia eólica, mas não de qualquer maneira, sem disciplina. E aquilo a que estamos a assistir é um negócio puramente financeiro, só com vista para o lucro imediato. Em Portugal, os produtores de energia eólica beneficiam de uma situação económica altamente favorável, protegida e sem contrapartidas. E depois não existem estudos aprofundados do potencial eólico e das localizações mais adequadas, que salvaguardem algumas serras e apostem na hipótese dos parques off-shore.
P – O concurso está feito, de facto, de modo esquisito: os candidatos propõem locais e o que for vencedor quase automaticamente terá aprovadas todas as localizações, independentemente dos impactes…
R – Esse concurso foi feito para dar as regalias aos grandes monopólios. A energia eólica, que tem grandes méritos se for descentralizada e feita numa escala disseminada, acaba por ser concebida em concentrações, sem contrapartidas. A energia eólica é paga em Portugal de um forma exageradamente favorável às empresas, pois tem prioridade absoluta de entrada na rede e garantia de compra pela REN sem qualquer obrigatoriedade de previsibilidade do fornecimento dessa energia e sem penalizações previstas. Isto é chocante, porque afecta todo o sistema eléctrico nacional, obrigando a ter centrais em stand-by, com custos enormes. Nos países em que a eólica não é um puro negócio financeiro, o preço da electricidade eólica está ligado às previsões de produção e do respectivo cumprimento. Isto estimula o sistema de previsão e a gestão do sistema eléctrico. Faz-se assim na Espanha e nos países nórdicos, por exemplo.
P – Os transportes são uma das questões energéticas mais prementes da actualidade, ainda mais agora com a galopante subida dos preços do petróleo. Que solução teremos de seguir?
R – Tem-se falado muito no hidrogénio, no uso das pilhas de combustível, mas não me parece ser a solução. O hidrogénio é como a electricidade: a sua armazenagem em grande escala tem custos enormes. A Economia do Hidrogénio, de que se fala, implicaria uma rede autónoma muito complexa, porque sendo um gás muito leve não pode ser transportado com a mesma facilidade do gás natural. Por outro lado, o hidrogénio não é uma fonte mas um meio de transporte de energia, como a rede eléctrica. O hidrogénio tem de ser previamente produzido, consumindo sobretudo electricidade. Na minha opinião, o futuro está no uso de veículos eléctricos, sem meter de permeio o hidrogénio.
P – E os biocombustíveis?
R – Os biocombustíveis são outro disparate, pois nunca podem ter um papel mais do que marginal. A Terra tem 6,5 mil milhões de habitantes, que estão em crescimento, e usamos já entre 40% e 60% da fotossíntese disponivel. Pensar que podemos usar o que resta para produzir biocombustíveis é utópico. Actualmente só são viáveis com grandes subsídios, para além de entrarem em competição com as necessidades de alimentação no que respeita à disponibilidade de solos ferteis.
P – Ou seja, os preços de alguns produtos alimentares aumentarão, como já acontece com o milho…
R – Pois, estamos mais uma vez perante um negócio apenas financeiro. No Instituto Superior Técnico fez-se um estudo para o caso do milho que demonstrou que não existiriaa qualquer vantagem. A menos que se recorra a resíduos vegetais, os biocombustíveis não trazem efeitos positivos, e nunca será possível resolver a problema dos transportes nem a meta europeia de se usar 10% de biocombustíveis de origem nacional.
P – Este projecto é, como muitos, apresentado com uma capa de defesa do ambiente…
R – É absolutamente vital desmontar isso. Os únicos que não perderão são os que entram nesses negócios. E isso acontece porque em Portugal não temos uma cultura científica sólida, exigente e independente – vai tudo a reboque. Acha que eu, por estar a dizer isto, vou amanhã ser financiado na investigação destes temas? Pelo contrário…
P – Qual será, enfim, então a via para o paradigma energético? Consumir menos ou ser mais eficiente e assim consumir melhor?
R – Consumir menos, até porque há limites para a eficiência energética. Há limites termodinâmicos que nenhuma tecnologia ultrapassará.
P – Está muito céptico. A ciência e tecnologia têm evoluído de uma forma impensável no último século…
R – Teríamos de falar então na diferença entre ciência e tecnologia. Por exemplo, nós sabemos que existe fusão nuclear, basta olhar para o sol, e como funciona. Mas não conseguimos fazer com que esse fenómeno ocorra de forma estável e aproveitável pela sociedade.
P – Voltando a Portugal, por que razão continuamos a ser um dos piores países em termos de eficiência energética?
R – É uma questão cultural, vivemos acima das nossas possibilidades e grande parte da energia que gastamos é em actividades não produtivas. Por exemplo, actualmente gastamos, per capita, apenas menos 10% de energia do que um dinamarquês, mas gastamos cerca do dobro para produzir a mesma unidade de riqueza.
P – A Conferência de Bali sobre alterações climáticas foi ou não um sucesso?
R – Considerou-se um sucesso por se ter conseguido colocar no texto final uma nota de rodapé que faz referência a um estudo do Painel Internacional para as Alterações Climáticas (IPCC). Mas essa nota de rodapé remete, por sua vez, para outras duas notas que, na prática, a anulam, porque, na verdade, não são fixadas quaisquer metas, mas apenas indicações que são questionáveis.
P – Em todo o caso parece consensual que as alterações climáticas são já agora uma evidência, tanto assim que em 2007 se falou imenso do assunto…
R – Existem alterações climáticas mensuráveis mas existe também uma enorme manipulação ao reduzir tudo ao CO2 e equivalentes. O principal gás com efeito de estufa é o vapor de água. O alarmismo actual quanto às alterações climáticas é um instrumento de controlo social, pretexto para grandes negócios e combate político. Transformou-se numa ideologia, o que é preocupante
P – Há uns anos falava-se que eram as petrolíferas a financiarem cientistas para negarem as alterações climáticas…
R – Agora é um pouco ao contrário.
P – Onde está então a verdade? Onde está a realidade?
R – Há três realidades: uma científica – que mostra os dados observados –, outra de realidade virtual – que se baseia em modelos computacionais – e outra pública. Entre as três, por vezes, há grandes contradições.
P – Mas afinal, na sua opinião, existe ou não aquecimento global provocado pelas emissões de dióxido de carbono das actividades humanas?
R – O último relatório científico do IPCC refere, por exemplo, que na Antártida o aumento da temperatura precedeu o aumento das emissões de dióxido de carbono, mas depois isso é omitido no relatório para os decisores políticos. Recentemente descobriu-se que afinal houve um erro em considerar que 1998 foi o ano mais quente no EUA desde que existem registos; de facto, o ano mais quente foi o de 1934. E agora sabe-se, depois de um grande escândalo, que no século XV ocorreu um crescimento abrupto de temperaturas idêntico ao que se verifica actualmente.
P – Então em ficamos? Existe ou não aquecimento global, na sua opinião?
R – Tem ocorrido um aumento da temperatura, até 1998, mas não se pode garantir que, nos próximos anos, continue e que esteja apenas associado às emissões de dióxido de carbono.
P – Nesse âmbito, a aplicação do protocolo de Quioto servirá para algo?
R – Tudo o que seja feito para diminuir as emissões de dióxido de carbono é positivo, porque implicará redução dos consumos energéticos. Mas criar uma ideologia agarrada ao dióxido de carbono é um perigoso disparate. Será preferível prepararmo-nos para as naturais evoluções do clima. Adaptarmo-nos, e estarmos preparados, caso aconteçam, o que significa, entre outras coisas, não destruir as dunas a pretexto de PIN, não contruir em leitos de cheia, não impermeabilizar solos para não agravar os efeitos das potenciais e naturais ondas de calor, etc
P – Em suma, advoga então que se siga a política preconizada pela Administração Bush…
R – Não se pode continuar a diabolizar os Estados Unidos. Os norte-americanos têm dos melhores estudos e especialistas nesta área. Basta dizer que o UCAR ( University Corporation for Atmosferic Research) – um organismo norte-americano que estuda os fenómenos climáticos e meteorológicos – tem um orçamento de 200 milhões de dólares, enquanto o IPCC tem apenas 10 milhões, para além de que mais de 50% dos cientistas que elaboraram os relatórios do IPCC são americanos.